São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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PLÍNIO FRAGA

Ode aos esdrúxulos e ordinários

RIO DE JANEIRO - Divertir-se à vera é ler o noticiário político pelas entrelinhas, entender o que está dito como seu inverso e o que não está dito como sua afirmação plena. É jogo para iniciados, como costumam ser aqueles protagonizados por aloprados. Vive-se hoje a temporada dos "gastos esdrúxulos ou exóticos" -forma que políticos e jornalistas adotaram para referir-se à compra de mimos, vinhos caros e carnes raras para a Presidência de FHC e para a de Lula.
Os "gastos esdrúxulos" devem ser armazenados nas mesmas páginas do dicionário particular da política nacional nas quais estão "destravar, flexibilizar, dinheiro não-contabilizado, descontinuar e aparelhar", para citar uns poucos casos.
Há outros, mais divertidos quanto menos inteligentes. Por exemplo: "base de apoio do governo". Diz o "Houaiss" a respeito da palavra base: "tudo que serve de sustentáculo ou de apoio; a parte inferior de alguma coisa, considerada como seu suporte; aquilo sobre o qual alguma coisa se repousa ou apóia".
Se é base, já é de apoio, certo? Não no Congresso Nacional, onde a base só apóia depois de ter seus "pleitos atendidos". O jogo é tortuoso: a palavra pleito tem raízes também numa acepção ligada à palavra vassalo, o dependente do senhor; mas é certo que a vassalagem dos congressistas pode ser reconhecida no cotidiano de forma mais simples.
Na produção poética, chamavam-se de versos esdrúxulos aqueles terminados em palavras proparoxítonas. Fernando Pessoa fez uso deles em "Ode Triunfal", na qual fala da "maravilhosa beleza das corrupções políticas," dos "deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos", "das notícias desmentidas dos jornais" e dos "artigos políticos insinceramente sinceros" de uma "gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma, que emprega palavrões como palavras usuais".


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