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PLÍNIO FRAGA
Ode aos esdrúxulos e ordinários
RIO DE JANEIRO - Divertir-se à
vera é ler o noticiário político pelas
entrelinhas, entender o que está dito como seu inverso e o que não está
dito como sua afirmação plena. É
jogo para iniciados, como costumam ser aqueles protagonizados
por aloprados. Vive-se hoje a temporada dos "gastos esdrúxulos ou
exóticos" -forma que políticos e
jornalistas adotaram para referir-se à compra de mimos, vinhos caros
e carnes raras para a Presidência de
FHC e para a de Lula.
Os "gastos esdrúxulos" devem ser
armazenados nas mesmas páginas
do dicionário particular da política
nacional nas quais estão "destravar,
flexibilizar, dinheiro não-contabilizado, descontinuar e aparelhar",
para citar uns poucos casos.
Há outros, mais divertidos quanto menos inteligentes. Por exemplo: "base de apoio do governo". Diz
o "Houaiss" a respeito da palavra
base: "tudo que serve de sustentáculo ou de apoio; a parte inferior de
alguma coisa, considerada como
seu suporte; aquilo sobre o qual alguma coisa se repousa ou apóia".
Se é base, já é de apoio, certo? Não
no Congresso Nacional, onde a base
só apóia depois de ter seus "pleitos
atendidos". O jogo é tortuoso: a palavra pleito tem raízes também numa acepção ligada à palavra vassalo,
o dependente do senhor; mas é certo que a vassalagem dos congressistas pode ser reconhecida no cotidiano de forma mais simples.
Na produção poética, chamavam-se de versos esdrúxulos aqueles terminados em palavras proparoxítonas. Fernando Pessoa fez uso
deles em "Ode Triunfal", na qual fala da "maravilhosa beleza das corrupções políticas," dos "deliciosos
escândalos financeiros e diplomáticos", "das notícias desmentidas dos
jornais" e dos "artigos políticos insinceramente sinceros" de uma
"gente ordinária e suja, que parece
sempre a mesma, que emprega palavrões como palavras usuais".
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