São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2004

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MUDANÇA NO IRAQUE

São compreensíveis as razões de segurança que levaram os norte-americanos a antecipar em dois dias a transferência da soberania do Iraque ao governo provisório, mas é inegável que o fato de a cerimônia de entrega do poder ter sido praticamente secreta -ela só foi anunciada depois de concluída- dá um quê de patético ao episódio. A antecipação poderá reduzir o impacto de uma grande ação terrorista que estivesse planejada para o dia 30, mas infelizmente não será capaz de evitar atentados.
A transferência de soberania é por certo um passo rumo à normalização do Iraque, mas os desafios diante do governo interino são de vulto. A lista de problemas do premiê Iyad Allawi começa nele mesmo. Depois de ter rompido com o partido Baath, o mesmo de Saddam Hussein, nos anos 70, Allawi passou a viver no exílio, onde acabou tornando-se agente dos serviços secretos britânico e norte-americano. Essa biografia singular o torna, a um só tempo, desconhecido de boa parte da população e visto com desconfiança pelos demais. Há os que temem seu passado baathista e os que desprezam seu presente de ligação próxima demais com as forças ocupantes.
Como Allawi não goza de legitimidade popular -ele foi indicado para o posto e não eleito-, é bastante plausível que tente ganhar o apoio das massas iraquianas demonstrando alguma independência em relação a Washington. A questão é que a principal força de sustentação de seu governo são os 130 mil soldados americanos estacionados no Iraque.
Para agravar um pouco mais o quadro, o governo ainda terá de lidar com os atentados que ocorrem em ritmo diário, a sabotagem à infra-estrutura e as agruras comuns a toda nova administração. Isso tudo sem dispor de forças armadas minimamente eficientes e com dificuldades para vender seu petróleo.
Não há dúvida de que o governo interino é preferível à administração direta pelos EUA, mas a transferência de poder não diminui o erro que foi invadir o Iraque.


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