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CARLOS HEITOR CONY
O zé-povinho e o povão
RIO DE JANEIRO - Há dois tipos de intelectual: o engajado, que, segundo
Joãosinho Trinta, gosta do povo, mas
por motivos táticos; e o alienado, que
chuta para córner as conveniências
ideológicas e, como a Chiquita Bacana da marchinha cantada por Emilinha Borba, "só faz o que manda o seu
coração". Eventualmente, a sua razão.
De Carnaval tão antigo passo para
as festas juninas, afinal, hoje é Dia de
São Pedro, o primo pobre da trindade
festeira, mas o cara esperto que fugiu
com a filha de João na hora em que a
noiva ia para o altar casar-se com
Antônio, que caiu na bebedeira, segundo outra marchinha cantada pelo Mário Reis.
A recente festa caipira do Torto foi
devidamente esculhambada pelos
formadores de opinião, entre os quais
nunca me incluo, pela evidente constatação de que nem tenho opinião
para dar aos outros nem a mim mesmo. De qualquer forma, nota-se o
desprezo comportado, que procura
ser politicamente correto, em relação
às manifestações da plebe rude
-lembro agora aquela delícia do
Miguel Gustavo cantada pelo Jorge
Veiga: "Enquanto a plebe rude na cidade dorme, eu ando com o Jacinto
que é também de Tormes, Teresa e
Dolores falam bem de mim, eu sou
até citado na coluna do Ibrahim."
Em outros tempos, os intelectuais
desprezavam o zé-povinho; hoje, desprezam o povão, esquecidos de que o
que conta é o povo, do qual, querendo o não fazem parte, repartindo
com a galera a mesma periferia internacional, a mesma concentração de
renda, a mesma violência urbana e
rural. A mesma preferência nacional
pelo bumbum das mulheres.
O desdém pelo zé-povinho e povão
expressou-se na música popular, no
teatro e na TV, até mesmo no vestuário e na maquiagem, com a dicotomia brega e bacana. Comer em tal
restaurante é brega, entupir-se de
chope e de batata frita no Bracarense
é bacana.
Se Bach fosse vivo, ele não veria diferença entre o Agnaldo Timóteo e o
João Gilberto.
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