São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 2005

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CLAUDIA ANTUNES

Guerras perdidas

RIO DE JANEIRO - "Peguei o corpo no colo e levei para a rua. A cidade inteira precisava ver a covardia que fizeram com o meu filho" -pai de um adolescente de 17 anos que trabalhava carregando compras numa feira do Jardim Botânico, morto com mais dois colegas menores de idade, em fevereiro do ano passado, durante uma incursão da PM na Rocinha.
"Na favela, me sinto como um rato de esgoto"-pai do garoto de 15 anos, estudante, morto anteontem, também na Rocinha, durante confronto entre traficantes e policiais.
Já são bastante conhecidas as estatísticas que mostram o número crescente de mortes violentas, no Brasil, de homens na faixa dos 15 aos 24 anos. Outra coisa, mais chocante, é vivenciá-las como rotina.
Os dois casos acima repercutiram, os pais das vítimas foram ouvidos. Mas não há dia em que as agências eletrônicas de notícias não tragam pequenos despachos sobre adolescentes que tombam a tiros, sem que a maioria dessas notícias seja impressa ou ganhe a TV.
Parte desses jovens estava no crime e foi pega, diz a polícia, com arma na mão. Para todos os efeitos, não faz diferença: os crimes não são investigados, nunca se chega a saber o autor do disparo ou quem atirou primeiro. Na Rocinha, agora, não foi possível identificar o projétil que matou o rapaz de 15 anos; o local da morte foi desfeito, o que impede a perícia.
Os garotos que perecem todos os dias estão na linha de frente de duas guerras perdidas, contra as drogas e contra a desigualdade. De maneira perversa, o fracasso da segunda alimenta as batalhas da primeira, que, por sua vez, parecem inúteis diante da demanda atendida pelo tráfico.
Enquanto é possível, faz-se vista grossa para as gangues que vêm transformando as áreas mais pobres das grandes cidades em guetos quase impenetráveis. Quando esse negócio de criminosos pés-de-chinelo ameaça transbordar, ou deixa de pagar pedágio a maus policiais, as armas são acionadas e toda a pobreza acaba criminalizada.


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