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CLAUDIA ANTUNES
Guerras perdidas
RIO DE JANEIRO - "Peguei o corpo no colo e levei para a rua. A cidade inteira precisava ver a covardia que fizeram com o meu filho" -pai de um
adolescente de 17 anos que trabalhava carregando compras numa feira
do Jardim Botânico, morto com mais
dois colegas menores de idade, em fevereiro do ano passado, durante uma
incursão da PM na Rocinha.
"Na favela, me sinto como um rato
de esgoto"-pai do garoto de 15 anos,
estudante, morto anteontem, também na Rocinha, durante confronto
entre traficantes e policiais.
Já são bastante conhecidas as estatísticas que mostram o número crescente de mortes violentas, no Brasil,
de homens na faixa dos 15 aos 24
anos. Outra coisa, mais chocante, é
vivenciá-las como rotina.
Os dois casos acima repercutiram,
os pais das vítimas foram ouvidos.
Mas não há dia em que as agências
eletrônicas de notícias não tragam
pequenos despachos sobre adolescentes que tombam a tiros, sem que a
maioria dessas notícias seja impressa
ou ganhe a TV.
Parte desses jovens estava no crime
e foi pega, diz a polícia, com arma na
mão. Para todos os efeitos, não faz diferença: os crimes não são investigados, nunca se chega a saber o autor
do disparo ou quem atirou primeiro.
Na Rocinha, agora, não foi possível
identificar o projétil que matou o rapaz de 15 anos; o local da morte foi
desfeito, o que impede a perícia.
Os garotos que perecem todos os
dias estão na linha de frente de duas
guerras perdidas, contra as drogas e
contra a desigualdade. De maneira
perversa, o fracasso da segunda alimenta as batalhas da primeira, que,
por sua vez, parecem inúteis diante
da demanda atendida pelo tráfico.
Enquanto é possível, faz-se vista
grossa para as gangues que vêm
transformando as áreas mais pobres
das grandes cidades em guetos quase
impenetráveis. Quando esse negócio
de criminosos pés-de-chinelo ameaça
transbordar, ou deixa de pagar pedágio a maus policiais, as armas são
acionadas e toda a pobreza acaba
criminalizada.
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