São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

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VINICIUS TORRES FREIRE

A blindagem, essa maldição

SÃO PAULO - Se minha avó Nezinha fosse viva e soubesse o que significa a palavra "blindagem" faria um de seus sinais da cruz quando ouvisse alguém pronunciar essa praga. Blindagem é augúrio de desgraça, qualquer blindagem: financeira, de carro, de casa, de quartos da casa, como começa a aparecer no Brasil.
Quem ontem leu a Folha viu que começa a florescer o mercado de bunkers residenciais. O indivíduo rico, sob o terror de que rompam a primeira linha de defesa da sua casa (cão, vigia, milícia, cerca eletrificada, câmera), agora faz blindagem de um dos cômodos, o bunker de aço que resiste a granadas. Bunker era o lugar onde Hitler se defendia do bombardeio do Exército Vermelho, no final da Segunda Guerra.
Mas a maioria dos cidadãos jamais terá bunker ou carro blindado (15 mil no país, numa frota nacional de 34 milhões de veículos, num país de 170 milhões de pessoas). Uma blindagem de carro custa em média R$ 60 mil. Uns 8% das famílias do país ganham mais do que isso, por ano.
A blindagem do carro ou da casa tem a ver com a blindagem financeira de países, outro auspício de desastre. O medo é contrapartida do ódio e do embrutecimento de parte do povo de países que vivem em farsa financeira, potencialmente explosiva. Latrocínio e sequestro são os crimes que explodem em São Paulo. Não é fome, é revolta odienta, fruto de décadas de desigualdade insultuosa.
Brasil e Argentina jazem sobre vulcões de dívidas, armadas para criar a ilusão de que "se avança", como diz FHC, e para não ter de enfrentar reformas de verdade, a social em particular. Pagou-se a conta do conservadorismo com crédito caro, que bancou uma estabilidade imperfeita.
Muito se ouviu falar de blindagem pouco antes de a Argentina se tornar o liquidificador das esperanças de seu povo. Agora, o Brasil precisa de blindagem, pois à nossa dívida demencial se somou a crise das finanças dos EUA. Não, o Brasil não é a Argentina. Mas quem quer blindagem tem medo de chumbo grosso. E o chumbo costuma vir, do popular psicopata homicida ou dos mercados.


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