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TENDÊNCIAS/DEBATES
O trabalho é maior do que as crises
RUY ALTENFELDER
Primeiro foi o verbo? Não, primeiro foi o trabalho, iniciado com o advento primitivo da capacidade do Homo sapiens de manejar a natureza para
garantir sua sobrevivência e dominar as
demais espécies. Ou seja, trabalhar, na
verdade, é o substrato -ou o próprio
verbo- da essência humana, um dos
reflexos condicionados do atávico instinto de sobrevivência. Por isso mesmo
trata-se de direito antropológico.
Essas reflexões são oportunas no momento em que os indicadores do primeiro semestre sinalizam crescimento
econômico aquém do esperado em
2003, redução do valor médio dos salários e persistência dos elevados índices
de desemprego. Tudo conspira contra a
necessária criação de milhões de postos
de trabalho no país, a mais natural e eficiente alternativa de inclusão social.
Num cenário de desemprego, cresce
geometricamente a demanda social pelo Estado e pelo terceiro setor, criando-se um gargalo hoje já acima do limite da
capacidade de atendimento.
O desemprego também implica efeitos colaterais muito negativos em toda a
sociedade, afetando a auto-estima dos
que estão sem trabalho, prejudicando as
famílias e comprometendo o exercício
da cidadania. Até mesmo nas empresas,
em especial quando faltam sinergia e
ética, agravam-se a competição e a insegurança. Os estudos comprovam que,
em épocas de crise, aumenta a incidência das chamadas doenças profissionais.
Nesses casos, a origem antropológica
nobre do gesto de trabalhar é atropelada
pela etimologia latina do verbo, que
vem de "tripaliare", que significa torturar com o "tripalium", antigo instrumento de martírio físico.
Lamentavelmente, é preciso admitir
que, ao longo dos séculos -e até hoje- a ação essencial de trabalhar também faz jus ao termo latino, pois nem
sempre se desenvolveu à luz da dignidade e da justiça. Ou seja, da deplorável escravidão, presente em vários períodos
da história, às transformações fulminantes do mundo contemporâneo, o
trabalho teve um tratamento dicotômico, entre a ética e a exploração, a despeito dos sistemas econômicos. Inclusive
em Estados socialistas, nos quais, em tese, a ditadura do proletariado deveria
ser a base da justiça social, houve e há
processos de extrema exploração indevida da força do trabalho.
Com a prevalência do sistema da economia de mercado, as empresas tornaram-se o principal vetor da justiça social
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Com a prevalência do sistema da economia de mercado, as empresas tornaram-se o principal vetor da justiça social, pela redistribuição do capital por
meio dos salários. Há países do Primeiro Mundo em que a massa salarial já
responde, em média, por 60% das rendas nacionais. Isso demonstra que empreender é o caminho mais viável para
tornar menos estratificada a sociedade
humana. Assim, é de fundamental importância que se estimule a produção,
reduzindo seus custos -que continuam muito altos no Brasil.
É preciso, como está sendo atualmente discutido pela nação, encontrar alternativas para reduzir a carga de tributos
contida na proposta de emenda constitucional em trâmite no Congresso.
Além disso, o Brasil deve persistir na
meta de revisão das relações trabalhistas, encontrando alternativas adequadas, benéficas para empresas e trabalhadores, a fim de reduzir os encargos de
quem paga os salários e ampliar a renda
líquida de quem os recebe. Essa lição de
casa não deve mais ser adiada.
Por outro lado, é preciso ponderar
que a recessão e problemas como o anacronismo da legislação econômica podem ser duradouros, mas passarão. Assim, não se pode permitir que momentos de retração do nível de atividade e de
desemprego alto, como o vivido pelo
Brasil, deteriorem as relações trabalhistas. É necessário que empresas, seus dirigentes, executivos, técnicos e todos os
recursos humanos possam emergir da
crise fortalecidos pela união em torno
do esforço de superação das dificuldades. Boas empresas e profissionais talentosos, atuando com coesão, ética e sinergia, são muito maiores do que os
problemas efêmeros. Esta é a fórmula
mais eficaz de sucesso dos negócios na
economia contemporânea, inclusive
para sobreviver às crises.
Ruy Martins Altenfelder Silva, 64, advogado, é presidente do Instituto Roberto Simonsen. Foi
secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (Governo Alckmin).
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