São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

De volta aos fundamentos

LUIZ PAULO CONDE

A arquitetura brasileira está em crise. Um sinal eloquente dessa perda de rumo é a notícia de que a Bienal de Veneza, uma das mais importantes mostras internacionais de arquitetura, que se realizará nos próximos meses, selecionou 120 projetos de arquitetos de todo o mundo segundo critérios de qualidade, inovação e representatividade do estado atual da arte. Pois nenhum brasileiro entrou na lista.
Apesar disso, lá estarão expostas quatro obras projetadas para o Brasil, todas assinadas por arquitetos estrangeiros. Para uma arquitetura que, nos anos 50, já foi uma das melhores do mundo, é lamentável. Como consolo, poderemos mostrar alguma coisa na representação nacional, que ocupará o Pavilhão do Brasil, projetado por Mindlin em Veneza. Mas a curadoria da mostra foi logo avisando: "Como vocês não têm tecnologia para mostrar, é melhor trazer trabalhos em favelas ou algumas intervenções na área de meio ambiente".
E assim foi feito, levaremos planos e projetos nessa linha, inclusive o Favela Bairro carioca.
Que fazer então? Como podemos recuperar a dignidade da arquitetura brasileira e o prestígio de que já desfrutou?
Em primeiro lugar, fazendo uma profunda autocrítica, e esta começa pelos fundamentos teóricos da nossa prática. O Brasil é um país continental, com diversos microclimas tropicais e temperados, vasta diversidade regional e muitas desigualdades. Não podemos fugir disso. Se tentarmos universalizar uma arquitetura para o país, imitando os americanos, europeus e japoneses com seus edifícios "high-high-tech", estaremos fritos. Não temos como competir nessa área e, quando tentamos, o resultado é ingênuo ou caricatural.
Isso fica muito evidente na maneira como abordamos a questão do clima, da insolação, iluminação e ventilação das edificações, e até mesmo das nossas cidades. O apagão do ano passado nos ensinou muita coisa. Sentimos na carne, por exemplo, que o problema da economia de energia e da sustentabilidade não é apenas uma questão acadêmica e teórica, mas cruelmente prática, atingindo cada um de nós e o cidadão comum no seu dia-a-dia. Será que, depois desse mico, vamos continuar fazendo edifícios com fachadas inteiras de vidro, refrescados por sistemas caríssimos de ar condicionado? Quem pode pagar essa conta?


Como podemos recuperar a dignidade da arquitetura brasileira e o prestígio de que já desfrutou?


O que nos alivia é ter certeza de que sabemos fazer diferente. A arquitetura moderna brasileira se notabilizou no exterior, sobretudo entre os anos 40 e 60, trabalhando com brises, marquises, varandas e alpendres, trabalhando o controle da luz e da ventilação. Esse modelo não caducou, nem poderia, porque os fundamentos que o embasaram continuam os mesmos.
Não precisamos "macaquear" ninguém nem "americanalhizar" nossa arquitetura. E é nesse ponto que as universidades precisam se conscientizar do seu papel e assumir a dianteira desse movimento de "retorno". Por paradoxal que pareça, às vezes é preciso recuar para possibilitar o avanço. Em vez de ficarmos copiando os desconstrutivismos e outros "ismos" da moda, que estudemos a obra de Lucio Costa, Niemeyer, Rino Levi, Milan, Jorge Moreira, os irmãos Roberto, Bolonha, Bratke pai, Severiano Porto e outros que sabiam tudo sobre o assunto.
E mais, nossa produção urbanística de qualidade está aí à espera de quem se disponha a pesquisá-la seriamente. Também na macroescala, o domínio desses fundamentos é importante: traçar bairros e cidades em função da topografia, das vistas panorâmicas, das linhas de drenagem, protegendo sempre as reservas naturais e os mananciais, orientando-se conforme os ventos dominantes e considerando a insolação no dimensionamento de logradouros e fixação dos gabaritos.
O urbanismo não pode cair em mãos de palpiteiros, de políticos inescrupulosos e de interesses exclusivamente comerciais. É ofício técnico que requer estudo e conhecimento. Bons exemplos não nos faltam. Goiânia, Maringá, Londrina, Campo Grande, Volta Redonda, Belo Horizonte e Brasília, entre outras produções autenticamente brasileiras, são exemplos de uma época em que sabíamos fazer cidades.
Só nos resta retornar aos fundamentos da nossa disciplina.


Luiz Paulo Conde, 68, arquiteto, é secretário-executivo da ONG Vivercidades. Foi prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro (1997-2000).



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