São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Coisas pequenas

SÃO PAULO - Do general chileno Augusto Pinochet ao ser indagado pelo juiz Juan Guzmán sobre ter ou não ordenado aos serviços de inteligência que detivessem, interrogassem ou torturassem pessoas:
"Eu era presidente, não me iriam informar de coisas pequenas".
Eis aí, numa única frase, um retrato acabado das ditaduras que infelicitaram a América do Sul dos anos 60 até meados dos 80. A vida humana era vista, pelos poderosos de turno, como "coisa pequena".
Como "coisa pequena", a vida podia ser destruída -pela via de prisões em massa, torturas como rotina, desaparecimentos em escala industrial, exílio, banimento e, claro, morte.
O leitor talvez diga que é coisa do passado, talvez reclame do chato que vem amargar o dia com lembranças tão nefandas.
Tomara que seja mesmo coisa do passado, mas há um lado que está presente hoje -e não apenas no Chile. A ditadura Pinochet não foi apenas uma máquina de matar bem azeitada. Foi também todo um ideário econômico que só poderia ser implementado a fogo. Como a fogo foi implementado em quase todos os demais países do subcontinente.
Se o general corre o risco de ser condenado pelos crimes cometidos por sua máquina de matar, se outros generais, em outros países, sofreram algum tipo de constrangimento jurídico, quase sempre brando, os ideólogos e executores do braço econômico das ditaduras militares estão aí impunes -e ainda poderosos. Em alguns casos, mais poderosos do que durante a própria ditadura.
Se as ditaduras parecem coisa do passado, uma das razões certamente está dada pelo fato de que não é mais necessário recorrer a elas, aos Pinochets da vida, para executar políticas que mantêm abertas as veias da América Latina, para citar um clássico de Eduardo Galeano.
Ao contrário: hoje, em muitos países, são as próprias vítimas de ontem que implementam as políticas dos seus torcionários.


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