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CLÓVIS ROSSI
Coisas pequenas
SÃO PAULO - Do general chileno Augusto Pinochet ao ser indagado pelo
juiz Juan Guzmán sobre ter ou não
ordenado aos serviços de inteligência
que detivessem, interrogassem ou
torturassem pessoas:
"Eu era presidente, não me iriam
informar de coisas pequenas".
Eis aí, numa única frase, um retrato acabado das ditaduras que infelicitaram a América do Sul dos anos 60
até meados dos 80. A vida humana
era vista, pelos poderosos de turno,
como "coisa pequena".
Como "coisa pequena", a vida podia ser destruída -pela via de prisões em massa, torturas como rotina,
desaparecimentos em escala industrial, exílio, banimento e, claro, morte.
O leitor talvez diga que é coisa do
passado, talvez reclame do chato que
vem amargar o dia com lembranças
tão nefandas.
Tomara que seja mesmo coisa do
passado, mas há um lado que está
presente hoje -e não apenas no Chile. A ditadura Pinochet não foi apenas uma máquina de matar bem
azeitada. Foi também todo um ideário econômico que só poderia ser implementado a fogo. Como a fogo foi
implementado em quase todos os demais países do subcontinente.
Se o general corre o risco de ser condenado pelos crimes cometidos por
sua máquina de matar, se outros generais, em outros países, sofreram algum tipo de constrangimento jurídico, quase sempre brando, os ideólogos e executores do braço econômico
das ditaduras militares estão aí impunes -e ainda poderosos. Em alguns casos, mais poderosos do que
durante a própria ditadura.
Se as ditaduras parecem coisa do
passado, uma das razões certamente
está dada pelo fato de que não é mais
necessário recorrer a elas, aos Pinochets da vida, para executar políticas
que mantêm abertas as veias da
América Latina, para citar um clássico de Eduardo Galeano.
Ao contrário: hoje, em muitos países, são as próprias vítimas de ontem
que implementam as políticas dos
seus torcionários.
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