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São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

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VINICIUS TORRES FREIRE

PT, adeus

SÃO PAULO - Por quem os sinos dobram? Há muita gente de luto por uma certa idéia de política que fazia parte da aura do PT. Esse "luto da traição" é sensível no rico debate que a Folha publicou ontem na forma de artigos e entrevistas sobre o primeiro ano de Lula. Mas que morte, que traição, que desencanto intelectuais e gente de esquerda lamentam?
No poder, a natureza do petismo- lulismo desabrochou. Mas desde sempre ela esteve incubada no íntimo do partido. A incorporação petista ao establishment foi um processo real, não só ideológico, oportunista etc.
O PT foi o partido dos trabalhadores da indústria e da elite dos serviços (bancários e servidores), a classe baixa do Brasil rico, "incluído". Os muito pobres, os inempregáveis, o povo do bico, catadores de lixão e de calangos e seus líderes, tornaram-se cada vez mais minoritários no partido. Parte deles, grupo sem futuro econômico ou político, virou o MST.
A burocratização do PT, sua transformação em partido de quadros apenas, orientados pela autopreservação política, cristalizou a tendência acomodatícia do petismo-lulismo, sua inclusão no establishment. Uma conjuntura política e econômica mundial extremamente conservadora cimentou o centrismo.
Mas o que alimentava a ilusão dos traídos, hoje de luto? O projeto democrático, de incorporar e dar voz aos párias, cedo feneceu ou se tornou marginal no PT. O que sobrara? Cacos do discurso antiimperialista, contra a "financeirização", contra o "ajuste fiscal". Sobrou o catolicismo do bolsa-esmola, do "social", o nacionalismo, o estatismo. Sobrou o fetiche da palavra "socialismo", uma forma de alienação da razão política.
O PT não é a social-democracia européia. A social-democracia resultou do conflito político central dessas sociedades (capital e massa operária) -o Brasil é outra história.
O PT não é esquerda, nem é possível levar a sério esquerdas que não enterrem o mito caquético do socialismo, o vício estatista, a lamúria do "imperialismo" e outros clichês.
Essa história chegou de fato ao fim.


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