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ELIANE CANTANHÊDE
O Fome abaixo de Zero
BRASÍLIA - Com licença, mas nessa eu vou pela contramão. Todo mundo
malha o Fome Zero; vou defendê-lo.
Se o ministro José Graziano parece
mais perdido do que cego em tiroteio,
se deve ou não haver recibo ou cupom, se o município tal tem de ser incluído e o qual não tem, tudo isso é
detalhe. Mostra o amadorismo do
governo, mas não embaça a essência
do programa: Lula conseguiu efetivamente jogar a discussão da miséria e
da fome no centro do debate.
Mobilizou desde a dona-de-casa
distraída até entidades, cooperativas,
grandes empresários e modelos deslumbrantes e pão-duras para a causa. Todos querem se integrar a esse
mutirão que teve apenas a fagulha
do novo governo, mas não passará de
uma rápida labareda só com ele.
Em tudo o mais, o novo governo
tem gosto, cheiro e jeito do governo
FHC. Ao usar o apelo mítico de Lula
para uma causa tão antiga quanto
urgente, dá um passo adiante e acena
com alguma mudança.
Não é assim que se muda o mundo,
nem é assim que país nenhum no
mundo vai acabar com a miséria e a
fome. Mas o efeito marqueteiro do
Fome Zero é positivo e principalmente político. As pessoas estão acordando. E nenhum outro presidente poderia acordá-las como faz Lula agora.
Acordar, nesse caso, tem um amplo
sentido. Lembrar que o problema
existe, provocar a solidariedade, recuperar a auto-estima coletiva e criar
condições para mobilizações até mais
consistentes, mais adiante.
Dito isso, a indispensável ressalva.
O Fome Zero, lançado com um oba-oba infernal pelo governo e sob pesadas críticas de aliados, é apenas uma
parte da história. Não é a salvação da
lavoura, muito menos da pátria.
É só uma forma de animar, engajar, manter a esperança. Enquanto o
governo tenta se aprumar para -se
for capaz- sacudir a economia, retomar o crescimento e gerar emprego,
renda e barriga cheia. Pra gente não
ter mais que discutir se um programa
Fome Zero deve ter cupom ou não,
recibo ou não. Aliás, não ter que discutir nenhum programa Fome Zero.
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