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São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

O Fome abaixo de Zero

BRASÍLIA - Com licença, mas nessa eu vou pela contramão. Todo mundo malha o Fome Zero; vou defendê-lo.
Se o ministro José Graziano parece mais perdido do que cego em tiroteio, se deve ou não haver recibo ou cupom, se o município tal tem de ser incluído e o qual não tem, tudo isso é detalhe. Mostra o amadorismo do governo, mas não embaça a essência do programa: Lula conseguiu efetivamente jogar a discussão da miséria e da fome no centro do debate.
Mobilizou desde a dona-de-casa distraída até entidades, cooperativas, grandes empresários e modelos deslumbrantes e pão-duras para a causa. Todos querem se integrar a esse mutirão que teve apenas a fagulha do novo governo, mas não passará de uma rápida labareda só com ele.
Em tudo o mais, o novo governo tem gosto, cheiro e jeito do governo FHC. Ao usar o apelo mítico de Lula para uma causa tão antiga quanto urgente, dá um passo adiante e acena com alguma mudança.
Não é assim que se muda o mundo, nem é assim que país nenhum no mundo vai acabar com a miséria e a fome. Mas o efeito marqueteiro do Fome Zero é positivo e principalmente político. As pessoas estão acordando. E nenhum outro presidente poderia acordá-las como faz Lula agora.
Acordar, nesse caso, tem um amplo sentido. Lembrar que o problema existe, provocar a solidariedade, recuperar a auto-estima coletiva e criar condições para mobilizações até mais consistentes, mais adiante.
Dito isso, a indispensável ressalva. O Fome Zero, lançado com um oba-oba infernal pelo governo e sob pesadas críticas de aliados, é apenas uma parte da história. Não é a salvação da lavoura, muito menos da pátria.
É só uma forma de animar, engajar, manter a esperança. Enquanto o governo tenta se aprumar para -se for capaz- sacudir a economia, retomar o crescimento e gerar emprego, renda e barriga cheia. Pra gente não ter mais que discutir se um programa Fome Zero deve ter cupom ou não, recibo ou não. Aliás, não ter que discutir nenhum programa Fome Zero.


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