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São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A unidade possível

MICHEL TEMER

"Há uma medida nas coisas, há limites precisos, além dos quais ou antes dos quais, o bem não pode subsistir." Essa lição, do poeta latino Horácio, se aplica adequadamente ao acordo que promovemos no âmbito do PMDB com vistas à eleição à presidência do Senado e aos caminhos a serem trilhados pelo partido. Cumpriu-se o que poderia ser cumprido, nem mais nem menos.
Ontem como hoje, o PMDB fez e faz o que é possível, dentro dos limites que lhe são impostos, de acordo com as circunstâncias e no espaço histórico que se vive. Hoje, como ontem, o nosso partido é um ajuntamento de corporações regionais e locais, que se unem ou se separam, na conformidade da fragmentação partidária, que, é forçoso reconhecer, tem enfraquecido o sistema partidário brasileiro. A figura mais recorrente do PMDB, Ulysses Guimarães, só conseguiu reunir as partes amalgamadas do partido em momentos especiais, como a luta pela redemocratização do país, não estabelecendo, porém, acordo nem em torno de sua candidatura à Presidência da República.
Quando se observa que a legenda é a que mais frequenta o dicionário da política brasileira, vem a razão: centenas de representantes passaram pelo PMDB, alguns tendo nele entrado e saído diversas vezes e muitos se sentindo, até quando já fora do partido, no direito de soltar os seus "miados".
Entrei no partido pelas mãos de Franco Montoro e infelizmente vim a presidi-lo quando a divergência interna já era tradição na legenda. Divergência que, em vez de significar parcelas diferentes de opinião a respeito do ideal partidário, denota o fenômeno da fulanização política, um obstáculo ao processo de fortalecimento dos partidos. Tanto isso é verdade que o ministro Nelson Jobim, interpretando a Constituição, procurou atenuar a visão personalista, endossando a tese do caráter nacional dos partidos e vinculando as decisões dos diretórios estaduais e municipais à decisão da direção nacional.
No PMDB, as visões pessoais têm falado mais alto do que as decisões institucionais, e são precisamente essas que têm se arvorado como as legítimas. Exemplo: as instâncias competentes, especialmente o conselho nacional do partido, decidiram apoiar o governo Fernando Henrique. Boa parte da legenda, fração minoritária, nunca acompanhou a decisão nacional, embora continuando na legenda. Nunca tivemos unanimidade. Quando éramos cem deputados, 15 ou 20 sempre votavam de maneira destoante com a liderança.
Mais recentemente, sempre com a preocupação de procurar a unidade, realizamos reunião da Executiva Nacional com os governadores eleitos. Optou-se pela tese da "governabilidade", significando apoio parlamentar, sem ingresso no governo. Não pretendíamos participar da administração governamental. Na questão congressual, o acordo com o presidente do PT se restringiu à tradição, ou seja, as maiores bancadas no Senado e na Câmara escolheriam seus candidatos à presidência. Estabeleceu-se grande confusão, apesar desse ajuste.


A participação no governo não é essencial ao PMDB. Importante é o endosso, no Congresso, às reformas não realizadas


Ante o risco do esfacelamento do partido, ouvindo lideranças, procurei fazer aquilo que os limites dados pelas circunstâncias impunham: tentar a reunificação das várias correntes dentro do PMDB. Chegamos a um denominador comum, à unidade possível: o nome de José Sarney para a presidência do Senado, deixando a escolha dos líderes e representantes nas Mesas a cargo das bancadas, sem interferência do governo.
Entretanto, alguns saíram a falar como se já houvesse sido decretada a participação. Nunca se mencionou participação do PMDB no governo. Vejo, assim, a possibilidade de apoio às reformas previdenciária e tributária, que, aliás, foram por mim patrocinadas, quando líder e presidente da Câmara. No entanto, como presidente de um partido que acredita na democracia interna, o caminho partidário será fruto da decisão das bases parlamentares e instâncias superiores, como se fez no passado. Não haverá decisão unilateral nem grupal. Cumpriremos a decisão da maioria, com respeito à minoria. O que almejo é a unidade do PMDB.
Faço essas ponderações para tentar por um basta às versões que circulam sobre o PMDB e chegar a um pensamento uniforme. Não faz sentido que cada um fale por conta própria como se fosse pelo partido. As discussões serão internas. Externamente, deve divulgar-se a vontade da maioria. E só. O jogo da conciliação gera eficácia, não o jogo da rebeldia e da agressividade.
Cumprirei o mandato de presidente até o final, continuando a busca das metas de unificação, objetivando levar adiante o programa já aprovado. Não creio que a participação no governo seja essencial ao partido, especialmente em face de recorrentes acusações de fisiologismo. Seria desastroso para nós. Importante é o endosso, no Congresso, às reformas ainda não implementadas. Cumpre-se o apoio às teses do governo, sem nele estarmos. Essa é uma posição de dignidade institucional. Neste momento, urge administrar as emoções, fazendo da racionalidade a base do respeito mútuo, da solidariedade e integração que devem balizar o ideário peemedebista.

Michel Temer, 62, advogado e deputado federal, é presidente nacional do PMDB. Foi secretário da Segurança do Estado de São Paulo (governos Montoro e Fleury).


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