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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo federal e a crise da segurança

PAULO DE MESQUITA NETO

O Brasil tem hoje duas estratégias principais para enfrentar a crise da segurança pública, cujos contornos podem ser visualizados nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ambas dependem do apoio do governo federal, mas a natureza deste apoio é radicalmente diferente nos dois casos.
No Rio de Janeiro, o governo do Estado solicita a presença permanente das Forças Armadas nas ruas e a construção de presídios federais para conter o crescimento do crime organizado. Em São Paulo, o governo do Estado assina convênio com a prefeitura da capital para fortalecer a cooperação entre Estado, município e sociedade civil na prevenção do crime e da violência, com apoio da Secretaria Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional de Segurança Pública.
Com a assinatura do convênio em São Paulo, a Secretaria de Estado da Segurança Pública passa a disponibilizar, para a prefeitura da capital, mapas das áreas de maior concentração de ocorrências criminais em cada bairro. A Secretaria Municipal da Segurança Urbana passa a desenvolver ações de prevenção da violência nas áreas de maior incidência criminal, incentivando a articulação de ações do governo municipal, de organizações da sociedade civil e do governo estadual.
O convênio permite aumentar investimentos em ações de prevenção, complemento indispensável das ações de controle da criminalidade e da violência desenvolvidas pelas polícias Civil e Militar. Como indica o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, lançado pela OMS em 2002, "normalmente se dá prioridade à resolução das consequências imediatas da violência -prestar apoio às vítimas e punir os autores do delito. Embora tais respostas sejam importantes e sempre que possível devam ser reforçadas, é preciso investir muitíssimo mais em prevenção primária, isto é, medidas para impedir que a violência tome lugar".
A assinatura do convênio é resultado de dois anos de diálogo e negociação entre a Secretaria da Segurança Pública e os prefeitos da região metropolitana de São Paulo, organizados no Fórum Metropolitano de Segurança Pública. Convênios semelhantes devem ser assinados com as prefeituras de todos os municípios da região metropolitana e do interior do Estado. No Fórum Metropolitano, os prefeitos já elaboraram um Plano Metropolitano de Prevenção da Violência, para orientar as ações municipais na área da segurança. Abrem-se, assim, promissoras oportunidades de colaboração entre Estado, município e sociedade civil, com apoio da União.


Muitos grupos consideram que são eficazes apenas as estratégias tradicionais de enfrentamento do crime e da violência


Ainda há muito a ser feito. Em São Paulo, o registro digital e o mapeamento das ocorrências criminais é uma novidade e beneficia apenas parcela da população do Estado. As polícias Civil e Militar ainda precisam se preparar melhor para utilizar mapas de ocorrências criminais no planejamento, execução e monitoramento de ações de controle e de prevenção do crime e da violência, para trabalhar mais com inteligência e menos com a força bruta. As polícias, as guardas municipais, as demais organizações estaduais e municipais e as organizações da sociedade civil ainda precisam superar desconfianças mútuas e encontrar formas de trabalhar juntas.
Finalmente, os governos e a sociedade precisam acreditar que, na área da segurança pública, como na área da saúde, a prevenção não é um luxo de sociedades ricas e com baixos índices de criminalidade, mas uma estratégia eficaz para reduzir a criminalidade e a violência em qualquer comunidade, particularmente quando integrada com políticas econômicas, sociais, culturais e urbanas e direcionada para áreas e grupos em situação de maior risco de vitimização.
Não é fácil, porque muitos grupos, particularmente na polícia, no Ministério Público e no Judiciário, consideram que são eficazes apenas as estratégias tradicionais de enfrentamento do crime e da violência, baseadas na repressão criminal e na punição dos agressores. Sem uma integração de esforços do governo estadual e dos governos municipais, com apoio da sociedade e do governo federal, será difícil vencer o lobby de policiais, promotores e juízes e redirecionar recursos à área da prevenção.
Entretanto o convênio assinado entre a Secretaria da Segurança Pública e a prefeitura da capital permitirá que as polícias Civil e Militar compartilhem com outras organizações a responsabilidade pela segurança pública. Permitirá que a sociedade participe mais ativamente da discussão e resolução dos problemas de segurança. Permitirá o aprimoramento da produção e análise de informações sobre ocorrências criminais e sua utilização em ações de controle e prevenção do crime e da violência.
É uma estratégia que, com ajustes para atender às necessidades locais, poderá ser replicada em outros municípios e Estados. Permitirá que o governo federal concentre esforços no aperfeiçoamento da Polícia Federal para controlar as fronteiras e investigar os crimes internacionais e interestaduais, deixando que as Forças Armadas se dediquem integralmente à sua missão específica, que é a defesa nacional.


Paulo de Mesquita Neto, 41, doutor em ciência política pela Universidade de Columbia (EUA), é secretário-executivo do Instituto São Paulo Contra a Violência e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência, da USP.


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