São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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GUERRA FRIA

Não há dúvidas de que é histórica a entrada da Rússia, como membro não-votante, na Otan, organização que surgiu em 1949 justamente para tentar conter a influência e o poderio dos russos na então URSS. Parece, porém, deslocada a afirmação feita pelo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, de que o evento marca o fim da Guerra Fria.
O Ocidente já proclamou o fim da Guerra Fria incontáveis vezes: na queda do Muro de Berlim, em 1989, na dissolução da União Soviética, em 1991, no fim do Pacto de Varsóvia, também em 91, para citar apenas episódios mais significativos. Nenhum conflito normal teria tido a oportunidade de "acabar" tantas vezes.
A ênfase quase obsessiva no fim da Guerra Fria talvez se explique pelo fato de que a refrega entre Ocidente e Oriente teima em exibir algumas feridas de difícil cicatrização, como a conturbada relação EUA-Cuba ou o problema das Coréias.
Numa abordagem menos positivista, que não insista em ligar cada evento histórico a uma data precisa, seria mais adequado fazer o "fim" da Guerra Fria remontar ao início dos anos 80, quando ficou claro que a combalida economia soviética não teria condições de acompanhar os EUA na corrida armamentista.
Mesmo hoje é a fragilidade econômica da Rússia que determina sua atitude cooperativa com o Ocidente. O presidente Vladimir Putin provavelmente só assinou o último acordo de desarmamento com os EUA porque o Kremlin não tem como manter seus arsenais. O tratado firmado contempla quase todos os interesses norte-americanos e quase nenhum russo. O que Putin fez foi tentar extrair o máximo de uma situação que lhe era desfavorável. Os termos exatos das negociações não são conhecidos. Ao que parece, Moscou obteve, além da vaga na Otan, licença para reprimir rebeldes tchetchenos.
Não deixa de ser irônico o fato de que, embora a Guerra Fria já tenha acabado há vários anos, as razões que levaram a Rússia a perdê-la continuem atuando e determinando as ações do Kremlin.


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