São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES O mito do progresso
GILBERTO DUPAS
Recentes ensaios publicados pela "Revista da Cepal" mostram que, nas décadas de 80 e 90, os pobres latino-americanos perderam ainda mais renda, apesar de ligeira recuperação no último decênio. Rubén Katzman lembra que, tendo incorporado expectativas de cidadania plena e aumento de consumo através do trabalho, os pobres urbanos viram-se seduzidos por uma sociedade moderna da qual só puderam participar simbolicamente; e viveram o aumento do desemprego e da informalidade. A mídia global -que hipervaloriza o consumo supérfluo e a performance- está a serviço de uma sociedade que permite a um número cada vez mais restrito de indivíduos alcançar o sucesso. Por outro lado, o crescimento da exclusão, da precariedade e da concentração ostensiva de renda também tem muito a ver com os novos padrões de violência. Igualmente, há fortes indícios de que a indústria cultural global, gerada pela competição exacerbada e balizada pelos padrões hollywoodianos, é causa importante dos comportamentos agressivos. Pesquisadores da Universidade de Columbia, em estudo divulgado pela "Science", após acompanharem grupo significativo de crianças do Estado de Nova York, constataram nítido vínculo entre seus comportamentos violentos e tempo de exposição à TV. Enquanto apenas 5% dessas crianças -que viam menos de uma hora de programação diária- praticaram mais tarde atos agressivos, esse número era de 23% para quem assistia de 1 a 3 horas e de 29% para quem via mais de três horas. Os pesquisadores constataram, também, que uma hora de programação típica de TV norte-americana contém de 3 a 5 atos violentos. Já o sociólogo Monique Dagnaud, antigo membro do Conselho Superior de Audiovisual da França, recomendou ao seu governo muito cuidado com os efeitos da propaganda em crianças de 4 a 12 anos, fortemente influenciáveis. Na França, nessa idade, elas assistem, em média, a quase três horas de TV por dia. É preciso considerar que a criança muito pobre é exposta à mesma propaganda que a criança rica. E quando as mensagens explícitas ou subliminares associam afeto e sucesso a produtos, quem pode comprar o faz; quem não pode, acumula frustrações; ou, em casos extremos, pratica a violência. Pesquisas na Febem paulista indicam um número expressivo de detidos por roubo de tênis ou camiseta com grife. Em meio a TVs digitais, celulares, sensores automáticos e mágicas da eletrônica e da computação, estamos construindo um mundo cada vez mais violento e cruel. Não parece essencial revermos o que se entende por progresso? Gilberto Dupas, 59, economista, é coordenador-geral do Gacint (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e autor, entre outras obras, de "Hegemonia, Estado e Governabilidade" (editora Senac). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Frei Betto: A festa do corpo Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
|