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São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

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VINICIUS TORRES FREIRE

Fé, esperança, caridade e Lula

SÃO PAULO - Fé e esperança de que dias melhores virão são hábitos de muito povo deserdado da terra, do brasileiro em particular, de raras tentativas de revolução social, de misticismo difuso e de um sebastianismo de baixa temperatura, tudo combinado na crença passiva de que, um dia, um pai dos pobres virá nos redimir e nos poupar o trabalho de dar cabo do reacionarismo nacional.
Desde a ditadura de Getúlio, quando as massas passaram a desfilar no sambódromo da política, é comum ver presidentes encarnarem o campeão do povo, a resposta à ânsia popular pelo gesto redentor e caritativo. A multiplicação de movimentos sociais, ONGs e conselhos sociais locais nos últimos 20 anos ficou longe de esgotar a passividade esmoler, quando não se tornou mecanismo de acomodação, agora "participativa".
Exemplo de modernização política em parte tragada por macumba e paternalismo é o próprio PT. O grande partido social do país foi acaudilhado pelo líder operário santificado, Lula, que, presidente, veste o manto do Conselheiro, o pijama do Getúlio suicida, a camiseta do peão e embala tudo em linguagem de marketing político e manual de auto-ajuda.
O último Datafolha mostra os sinais típicos de que a política nacional parece estigmatizada por desvirtudes teologais, fé, esperança e caridade. Em mais de uma década, o povo jamais esteve tão otimista quanto a desempenho do governo, emprego, salário e melhoria da vida em geral. A esperança de hoje supera em muito a da melhor fase do governo FHC, quando a inflação caía da casa dos milhares para a dezena, o país crescia mais de 10% em dois anos e 10 milhões deixavam a miséria.
O cínico pode dizer que, ruim como está a vida, pior não há de ficar, esse talvez o motivo de tanta fé na caridade do pai dos pobres. Em 40 anos, a massa só foi às ruas quando a recessão batia em 4% (1981/83 e 1990/92). Por que eles pedem tão pouco?
 
Este colunista assistirá em casa ao espetáculo do crescimento prometido por Lula -em julho, estará de férias.


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