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CARLOS HEITOR CONY
Questões de família
RIO DE JANEIRO - Em conversa com amigos franceses, fui questionado sobre minhas origens genealógicas e
eles ficaram pasmos quando informei que nunca me preocupara em
conhecer os ancestrais mais remotos.
E que, em linhas gerais, os brasileiros,
pela própria formação complicadíssima do seu povo, raramente são chegados a esse tipo de pesquisa.
Fiquei sabendo que, pelo menos na
França, a mania, além de antiga,
quase tradicional, entrou em moda,
todo mundo querendo saber nomes e
circunstâncias daquilo que feia palavra em português chama de "avoengos".
Um dos amigos disse que já chegou
a seus antepassados em vigor durante a Revolução Francesa, que já tem
mais de 200 anos. Aí quem ficou pasmo fui eu. Naquele pega-pra-capar
do Terror, cabeças coroadas rolando,
o Estado fora do ar, como fora possível o registro civil continuar funcionando rotineiramente, registrando
nascimentos, casamentos e óbitos? Os
grandes romancistas do século 19,
Balzac, Stendhal, Flaubert, Zola, o
próprio Marcel Proust que pertence
ao século seguinte, eram meticulosos
na genealogia de seus personagens,
mas, em geral, a trama e o cenário
que invocavam eram posteriores às
façanhas revolucionárias que mudaram a França e o mundo.
Mesmo durante o Terror, com a
guilhotina cortando o pescoço de
Deus e do Diabo, o Estado como animal burocrático continuou funcionando normalmente. O mesmo
acontecendo durante a ocupação nazista, na 2ª Guerra Mundial.
Conheço alguns países em que basta um evento qualquer, uma Copa do
Mundo, um Carnaval, um temporal
mais forte em São Paulo ou no Rio, e
a máquina oficial é paralisada -se
dependesse da estrutura do Estado,
nem o sol nasceria. Esta seria, talvez,
a explicação para o desinteresse dos
brasileiros em fuçar o passado. E
aqueles que de alguma forma tentam
a proeza sabem que vão acabar na
cozinha ou na senzala -o que não
desonra ninguém.
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