São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Anatomia de uma vitória

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Estas eleições marcaram, sem dúvida nenhuma, um momento histórico na política brasileira. Parece-me importante analisar os fatores que pesaram na alternância do poder, recém-conquistado pela oposição liderada pelo PT.
A primeira constatação a ser feita é que havia, por parte do partido do governo e suportada por alguns analistas políticos, a visão de que Lula, como perdedor em três eleições, mesmo chegando ao segundo turno, jamais ganharia as eleições. O candidato do governo teria, por definição, melhores condições de vencer.
Assim, a estratégia inicial do candidato governista consistia em chegar ao segundo turno, concentrando inicialmente suas baterias contra Ciro e Garotinho. E o segundo turno seria uma nova eleição e, nos debates, Serra superaria Lula. A hipótese de Lula ir a um único debate aparentemente não foi cogitada, e nem a dianteira que abriria no primeiro turno do pleito.
Lula, seu partido e seus assessores souberam interpretar bem o sentimento de mudança. Depois de dois mandatos com o mesmo presidente, o desejo de mudança ficou transparente. Buscou se relacionar com todos os diferentes segmentos da sociedade, mesmo com aqueles que tradicionalmente não dialogava.
Serra não soube -ou não pôde- capitalizar na sua campanha a necessidade de mudanças. Sua situação de ex-ministro e amigo do presidente não lhe permitiu, quem sabe, uma política mais agressiva. Uma frase proferida por um empresário ao final de uma das reuniões convocadas por Lula e por sua equipe é sintomática: "Nunca fui convidado a participar de uma reunião como essa pelo Serra, com quem me relaciono faz tempo".
A campanha de Lula, apesar de crítica ao governo, foi centrada no grande potencial do país de resolver seus problemas. Foi uma campanha otimista e o candidato soube ser um transmissor fiel dessa visão "pra frente".
O agravamento da crise financeira, com a alta do dólar, foi inicialmente explorado, como um fato que ressaltaria a vulnerabilidade de escolher Lula. No entanto o agravamento da crise, com o dólar persistindo em se manter em níveis absurdamente elevados, e a subida da taxa de juros Selic 12 dias antes do segundo turno acabaram tendo efeito inverso.
Malgrado a recuperação da imagem do governo nas últimas pesquisas, não houve melhoria para o candidato governamental e não foi viável capitalizar a boa imagem presidencial. Ele foi prudente no seu apoio ao candidato, atuando mais como um magistrado do que como um eleitor.


A quem o PT irá descontentar? Será possível viabilizar um pacto tentado sem sucesso por governos anteriores?


Não menos importante foi o fato de que Lula conseguiu -senão totalmente, pelo menos em grande parte- de grupos representativos aqui e no exterior o benefício da dúvida. Explico-me. No início da campanha, a visão do radicalismo do PT e do seu candidato era majoritária. Na medida em que o tempo foi passando, o candidato e um segmento representativo de seu partido afirmando que o PT respeitaria contratos, acabou por se criar o benefício da dúvida.
Por último, mencionaria que Serra se impôs como candidato ao seu partido, que nunca lhe concedeu apoio irrestrito, faltando-lhe apoio logístico e financeiro, e sem a coligação que elegeu Fernando Henrique. Teve, ainda assim, uma belíssima votação, que o mantém com uma posição importante no cenário político. Os dois turnos acabaram favorecendo Lula, que foi eleito com um resultado impressionante de mais de 53 milhões de votos.
O mandato que recebeu foi de mudanças, mas não tem a latitude de uma ruptura. Estou entre aqueles que julgam que Lula ganhou porque optou por uma política dirigida ao centro, libertando-se das amarras mais radicais da esquerda. A derrota do PT no Rio Grande do Sul é bem emblemática.
Porém um grande desafio o espera e seria muito ruim para todos, inclusive para aqueles que nele não votaram, se fracassasse. Não poderá lhe faltar o apoio político para que hajam condições mínimas de governabilidade. Será extremamente importante para o recém-eleito presidente analisar as dificuldades por que o presidente Fox vem passando no México. Ele chegou ao poder quebrando a hegemonia de mais de 70 anos do PRI e até hoje não conseguiu o apoio político para aprovar as reformas que prometera, inclusive a reforma fiscal.
Passada a fase de saborear o gosto da vitória, virá a dura realidade de mostrar que o PT mudou e que fará as mudanças prometidas sem romper com os compromissos assumidos durante a campanha. As cobranças serão enormes, e certamente não será possível agradar a todos. A quem o PT irá descontentar? Será possível viabilizar um pacto nacional tentado sem sucesso por governos anteriores? Como administrar as expectativas? Aqui, novamente, a experiência espanhola e conversas com Felipe González, ou mesmo com Ricardo Lagos, do Chile, poderão trazer importantes subsídios.
O apoio pós-eleitoral foi fantástico, mesmo daqueles que nele não votaram. Respira-se esperança. Vamos, assim, torcer para que dê certo, sem perder o espírito crítico, mas sem esperar resultados milagrosos.


Roberto Teixeira da Costa, 67, economista, fundador e vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, é membro do Conselho de Administração do Banco Itaú. Foi presidente do Conselho de Empresários da América Latina (1998-2000).




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