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O presidente Lula e a Aids
CAIO ROSENTHAL e MÁRIO SCHEFFER
O fato novo é que está sob ameaça a sustentabilidade do programa nacional de Aids. Passou da hora de o presidente Lula intervir
PASSADOS 25 anos desde o surgimento da Aids, em 1981, o Brasil
se destaca como referência
mundial no tratamento, além de oferecer assistência integral para todos
os acometidos pela epidemia e de ter
conseguido, em parte, prevenir o
avanço do HIV.
No dia 13/11 deste ano, a lei nš
9.313/96 completou dez anos. Ela garantiu o acesso universal aos medicamentos anti-retrovirais no SUS (Sistema Único de Saúde). Para marcar a
data, foi lançado em São Paulo um
manifesto em defesa do programa
brasileiro de combate à Aids, assinado
por representantes de entidades da
sociedade civil, pessoas vivendo com
HIV e Aids, profissionais de saúde,
gestores, técnicos de programas governamentais, ativistas, pesquisadores e lideranças políticas.
Todos reconhecem os méritos da
resposta brasileira, que fez caírem a
mortalidade e as internações e conseguiu aumentar a expectativa de vida.
A eloqüência dos números, no entanto, ainda eleva a Aids à condição de
um dos mais graves problemas de
saúde pública do país.
Temos 600 mil infectados pelo HIV
e 175 mil pessoas em tratamento. Diariamente, o Brasil registra 87 novos
casos e 30 mortes por causa da Aids. A
descontinuidade de muitas ações de
prevenção, o diagnóstico tardio, a falta de tratamento eficaz para combater os efeitos adversos dos medicamentos, que atingem mais de 50% dos
pacientes, e a dificuldade para entender a necessidade do uso correto e
contínuo, aumentando a necessária e
imprescindível adesão ao tratamento,
são problemas ainda recorrentes.
O fato novo é que está ameaçada a
sustentabilidade do programa nacional de Aids. O acesso universal a 16
medicamentos custará ao SUS, neste
ano, cerca de 1 bilhão de reais, 80%
dos quais destinados à compra de fármacos sob patentes.
O número crescente de pacientes,
os limites impostos à produção de genéricos, os valores exorbitantes cobrados pela indústria farmacêutica,
que teima em não se sensibilizar com
a situação, mesmo após a negociação
de preços, evidenciam que passou da
hora de o presidente Lula intervir.
Queremos fazer chegar ao presidente os resultados de três estudos
independentes, coordenados recentemente pelo Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento), pela Fundação Bill Clinton e
pela Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids). Todos concluíram que o Brasil possui comprovada capacidade instalada e competência para a produção local de anti-retrovirais -inclusive de seus princípios ativos.
Que Lula não adie mais a decisão,
tantas vezes ensaiada pelo governo
anterior, de decretar licenças compulsórias dos anti-retrovirais sob patentes, que cada vez mais oneram o
orçamento do Ministério da Saúde, e
de investir pesadamente nos laboratórios estatais. Medidas que têm respaldo na nossa legislação e nos acordos internacionais firmados pelo Brasil, como a Declaração de Doha e o
Acordo Trips, que trata dos direitos
de propriedade intelectual relacionados ao comércio.
A resposta brasileira à Aids, resultado de decisão política, do ativismo
comunitário e do investimento de recursos, é a prova maior de que o SUS
pode dar certo. Com apenas 150 dólares per capita ao ano, o sistema público opera verdadeiro milagre, ao manter 500 mil profissionais e 6.500 hospitais; financiar 1 milhão de internações por mês e dar assistência aos
portadores do HIV, aos renais crônicos, aos pacientes com câncer; ao realizar a imensa maioria das cirurgias
cardíacas, das internações psiquiátricas, dos transplantes e todo o sistema
de urgência e emergência, além da vigilância e da prevenção em saúde.
O SUS também absorve a cobertura
negada (medicamentos, procedimentos de alto custo, doenças crônicas e
infecciosas etc.) pelos planos de saúde
(negada, porém cobrada), que, em
2005, acumularam receita de R$ 34
bilhões, quase o montante de que dispõe o Ministério da Saúde para atender população três vezes maior.
Mas também é gritante a dificuldade de acesso da população e a péssima
remuneração dos profissionais de
saúde. Esperamos, ainda, que o presidente não repita os erros de usar a
gestão da saúde como moeda de troca
pela governabilidade e que oriente
seus assessores para não subestimar o
potencial de corrupção na compra de
serviços, medicamentos e insumos,
como demonstraram os escândalos
dos vampiros e dos sanguessugas.
Por fim, convidamos o presidente
Lula a dialogar com a sociedade sobre
os rumos da epidemia da Aids no Brasil.
CAIO ROSENTHAL, 57, médico infectologista do Hospital
do Servidor Público Estadual e do Instituto de Infectologia
Emílio Ribas, é membro do Conselho Regional de Medicina
de São Paulo.
MÁRIO SCHEFFER, 40, comunicador social e sanitarista,
é mestre e doutorando em ciências da Faculdade de Medicina da USP e membro do Grupo Pela Vidda/SP.
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