São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

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IGOR GIELOW

Bush, Iraque e Brasil

BRASÍLIA - Conforme previsto, as eleições iraquianas transcorreram de forma turbulenta. Como houve bom comparecimento, haverá suspiros em toda a mídia inspirada por Washington louvando a chegada, afinal e pela compassiva pulsão libertária de George W. Bush, dos bons modos democráticos ao deserto bárbaro.
Ironia à parte, há boas notícias. Assim como em outro arremedo eleitoral ocorrido em protetorado americano, no Afeganistão, é bom ver gente que nunca votou ou se acostumou aos referendos típicos de países árabes fazendo fila para tingir o dedo.
Mas o problema é que não há representação 100% legítima num lugar conflagrado. Por muitos anos o destino desses povos seguirá na mão dos EUA -como, aliás, o de quase todo o mundo. O que leva à pergunta: e o Brasil com isso? Há algo a temer no movimento decretado no discurso da segunda posse de Bush, no qual o presidente convoca uma cruzada, com direito a citações divinas e tudo, para libertar os "oprimidos"?
Em tese, podemos dormir tranqüilos. Nenhum míssil vai cair na avenida Paulista, até porque o Brasil não é preocupação imediata da política americana. Além disso, a tal democracia, imperfeita como Churchill ensinou, funciona mais ou menos direito aqui há alguns poucos anos. A opressão local é a da miséria e da inoperância dolosa, não a de uma ditadura, por mais que o governo insista em seus arroubos autoritários.
Mas uma olhadela à volta mostra um cenário um pouco mais perturbador. O Brasil tem um ""aliado" amalucado na Venezuela, que é um lugar estratégico para os EUA por conta de seu petróleo. Na Colômbia, há um posto militar americano avançado. Aqui existem recursos que tendem a ser importantes no futuro próximo, como água e biodiversidade, mas não há nenhum elemento dissuasório além de falar grosso em fóruns.
Enormes diferenças passadas e presentes à parte, o futuro do Brasil é tão incerto quanto o do Iraque. Como não somos os próximos da fila de Bush, talvez tenhamos mais sorte.

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