São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 1998

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Engenharia de obra feita

CLÓVIS ROSSI
Davos - Que os gurus não tenham conseguido prever a crise asiática, até se entende. Antever o futuro é uma milenar e frustrada pretensão do ser humano.
Mas que sejam igualmente incapazes de pôr-se de acordo sobre o passado, ou seja, sobre as razões da crise asiática, aí já é dose.
É exatamente o que está ocorrendo, como ficou demonstrado ontem, entre outros inúmeros momentos, no bate-boca entre o economista norte-americano Rudiger Dornbusch (do mitológico MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e o vice-ministro de Finanças para Assuntos Internacionais do Japão, Eisuke Sakakibara.
Dornbusch, liberal como 9,9 em 10 economistas de hoje, culpou, claro, os governos asiáticos. "É uma crise de mau governo, muito mau governo", espetou, em meio a muitas ironias.
Sakakibara reagiu: "Aprecio o senso de humor de Rudi, mas tem que se amparar em fatos". E o fato, para o vice-ministro japonês, é um só:
a culpa da crise é das "políticas financeiras internacionais".
Codinome para dizer que a crise é culpa dos bancos que emprestaram demais e dos que receberam mais empréstimos do que poderiam pagar.
O que está por trás do bate-boca é algo mais sério: há ou não necessidade de algum tipo de controle sobre o fluxo de capitais que cruzam fronteiras com impressionante velocidade?
Se a culpa é dos governos, nada há a fazer. Mas se a culpa é do sistema financeiro global, aí sim caberiam controles ou regras mais rígidas.
"Precisamos enfrentar esse assunto, tanto no Fundo Monetário Internacional como no G-7 (o clube dos sete países mais ricos do mundo)", acha Sakakibara.
Não posso esconder uma instintiva simpatia pela posição de Sakakibara. Nem que seja pela humildade que demonstra ante a arrogância dos que foram incapazes de descobrir antes os erros que agora apontam, como engenheiros de obra feita.



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