São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil no cenário científico

JAIR DE JESUS MARI e MARCO ANTONIO ZAGO

A crescente produção científica do Brasil na área da saúde está intimamente ligada à expansão numérica e qualitativa da pós-graduação no país, que concentra hoje mais de 300 programas de mestrado e mais de 200 de doutorado. Este progresso reflete a aplicação de uma política de longo prazo, fundamentada em objetivos bem definidos e financiamento público estável, guiada por um sistema de avaliação de qualidade e aceitação crescente no meio acadêmico, coordenado pela Capes.
O país busca, principalmente por meio da pós-graduação, consolidar sua base científica e formar recursos humanos capacitados para solucionar problemas de saúde regionais e nacionais, criando assim as bases para o desenvolvimento tecnológico. Para isso, o sistema de formação deve habilitar pesquisadores que possam alcançar esses objetivos. Para que possam cumprir tal papel, deverão ter domínio do estado atual dos conhecimentos na área em que atuam, capacidade de identificar questões relevantes e atualizadas e deter domínio metodológico para testá-las.
Com a estruturação de linhas de pesquisa autóctones, tornam-se multiplicadores na formação de novos pesquisadores. A importância e o impacto do conhecimento originado devem ser referendados por avaliadores externos.
A produção científica na área médica cresceu proporcionalmente mais do que a produção do conjunto da ciência brasileira nos últimos 20 anos. O total de publicações na área médica, que perfazia 11% das 2.930 publicações brasileiras indexadas pelo ISI no biênio 1981-82, cresceu para 19% das 13.282 publicações no ano 2000. Com o aprimoramento da avaliação dos programas de pós-graduação no país, tendo-se como critério essencial a relevância da produção intelectual, aferida pela qualidade dos veículos científicos, espera-se, em breve, um crescimento ainda maior.
O incremento de produção na área médica tem sido também acompanhado de melhora na qualidade do produto. Artigos de medicina, que perfaziam 11% das citações brasileiras em 1982, foram responsáveis por 14% das citações em 1998. Com 0,5% da produção científica global no setor, o Brasil lidera a produção científica na América Latina e ocupa a nona posição mundial. O ritmo crescente de produção científica do Brasil só é ultrapassado pela Coréia do Sul.
Os principais centros científicos de medicina no país são: Escola Paulista de Medicina, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Faculdade de Medicina, Instituto do Coração e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Faculdade de Saúde Pública da USP, Universidade Federal da Bahia e Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer.
A pesquisa na área médica é, pois, executada essencialmente nas universidades públicas e nos institutos de pesquisa, vinculando-se aos programas de pós-graduação brasileiros. Apesar das dificuldades de financiamento e dos baixos salários nos últimos anos, as universidades públicas consolidaram sua importância na produção de conhecimento científico em medicina.


A produção científica na área médica cresceu proporcionalmente mais do que a produção do conjunto da ciência


A despeito desses indicadores de sucesso, alguns pontos são ainda reveladores da fragilidade do sistema e merecem especial atenção dos planejadores de política científica. Apesar do aumento da nossa produção científica e de sua posição de liderança na América Latina, países como México e Chile são mais eficientes em relação ao investimento que recebem para pesquisa, gastando menos por artigo de qualidade publicado em comparação ao Brasil.
A concentração dos centros produtores de conhecimento nas regiões Sul e Sudeste, o grande distanciamento entre a pesquisa básica e suas aplicações práticas são problemas que precisam ainda ser resolvidos.
Finalmente, há uma clara dissociação entre o progresso qualitativo alcançado na pós-graduação e o ensino de graduação na mesma área. O número de faculdades de medicina ultrapassa cem, formando-se aproximadamente 10 mil médicos por ano. Contudo somente oito faculdades de medicina, que podem ser identificadas como os grandes centros de pesquisa na área, concentram 115 dos 128 pesquisadores de nível 1 no CNPq. Portanto várias faculdades de medicina não estão vinculadas ao processo de produção de conhecimento, mas não permitem uma integração da pesquisa e a formação na graduação.
Considerando o papel formativo que a pesquisa e o método científico têm sobre a educação do médico, conclui-se que uma parcela significativa dos médicos brasileiros é formada à margem desse sistema, não estando preparada para acompanhar e absorver as inovações no setor de saúde, vinculadas ao desenvolvimento científico.
Para um país que almeja se beneficiar do desenvolvimento científico e tecnológico para aumentar o bem-estar e a qualidade de vida da população, essa é uma distorção que precisa ser corrigida.


Jair de Jesus Mari, 48, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, é coordenador da pós-graduação da universidade. Marco Antonio Zago, 55, professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, é membro da Academia Brasileira de Ciências.



Texto Anterior:
TENDÊNCIAS/DEBATES
Marcio Pochmann: Erros de uma segunda abolição

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.