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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil no cenário científico
JAIR DE JESUS MARI e MARCO ANTONIO ZAGO
A crescente produção científica
do Brasil na área da saúde está intimamente ligada à expansão numérica e
qualitativa da pós-graduação no país,
que concentra hoje mais de 300 programas de mestrado e mais de 200 de doutorado. Este progresso reflete a aplicação de uma política de longo prazo, fundamentada em objetivos bem definidos
e financiamento público estável, guiada
por um sistema de avaliação de qualidade e aceitação crescente no meio acadêmico, coordenado pela Capes.
O país busca, principalmente por
meio da pós-graduação, consolidar sua
base científica e formar recursos humanos capacitados para solucionar problemas de saúde regionais e nacionais,
criando assim as bases para o desenvolvimento tecnológico. Para isso, o sistema de formação deve habilitar pesquisadores que possam alcançar esses objetivos. Para que possam cumprir tal papel, deverão ter domínio do estado atual
dos conhecimentos na área em que
atuam, capacidade de identificar questões relevantes e atualizadas e deter domínio metodológico para testá-las.
Com a estruturação de linhas de pesquisa autóctones, tornam-se multiplicadores na formação de novos pesquisadores. A importância e o impacto do
conhecimento originado devem ser referendados por avaliadores externos.
A produção científica na área médica
cresceu proporcionalmente mais do
que a produção do conjunto da ciência
brasileira nos últimos 20 anos. O total
de publicações na área médica, que perfazia 11% das 2.930 publicações brasileiras indexadas pelo ISI no biênio 1981-82, cresceu para 19% das 13.282 publicações no ano 2000. Com o aprimoramento da avaliação dos programas de pós-graduação no país, tendo-se como critério essencial a relevância da produção
intelectual, aferida pela qualidade dos
veículos científicos, espera-se, em breve, um crescimento ainda maior.
O incremento de produção na área
médica tem sido também acompanhado de melhora na qualidade do produto. Artigos de medicina, que perfaziam
11% das citações brasileiras em 1982, foram responsáveis por 14% das citações
em 1998. Com 0,5% da produção científica global no setor, o Brasil lidera a produção científica na América Latina e
ocupa a nona posição mundial. O ritmo
crescente de produção científica do Brasil só é ultrapassado pela Coréia do Sul.
Os principais centros científicos de
medicina no país são: Escola Paulista de
Medicina, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Faculdade de Medicina, Instituto do Coração e Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, da USP,
Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, Universidade Federal de Minas
Gerais, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp, Faculdade de
Saúde Pública da USP, Universidade
Federal da Bahia e Instituto Ludwig de
Pesquisas sobre o Câncer.
A pesquisa na área médica é, pois,
executada essencialmente nas universidades públicas e nos institutos de pesquisa, vinculando-se aos programas de
pós-graduação brasileiros. Apesar das
dificuldades de financiamento e dos
baixos salários nos últimos anos, as universidades públicas consolidaram sua
importância na produção de conhecimento científico em medicina.
A produção científica na área médica cresceu proporcionalmente mais do que a produção do conjunto da ciência
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A despeito desses indicadores de sucesso, alguns pontos são ainda reveladores da fragilidade do sistema e merecem especial atenção dos planejadores
de política científica. Apesar do aumento da nossa produção científica e de sua
posição de liderança na América Latina,
países como México e Chile são mais
eficientes em relação ao investimento
que recebem para pesquisa, gastando
menos por artigo de qualidade publicado em comparação ao Brasil.
A concentração dos centros produtores de conhecimento nas regiões Sul e
Sudeste, o grande distanciamento entre
a pesquisa básica e suas aplicações práticas são problemas que precisam ainda
ser resolvidos.
Finalmente, há uma clara dissociação
entre o progresso qualitativo alcançado
na pós-graduação e o ensino de graduação na mesma área. O número de faculdades de medicina ultrapassa cem, formando-se aproximadamente 10 mil
médicos por ano. Contudo somente oito faculdades de medicina, que podem
ser identificadas como os grandes centros de pesquisa na área, concentram
115 dos 128 pesquisadores de nível 1 no
CNPq. Portanto várias faculdades de
medicina não estão vinculadas ao processo de produção de conhecimento,
mas não permitem uma integração da
pesquisa e a formação na graduação.
Considerando o papel formativo que
a pesquisa e o método científico têm sobre a educação do médico, conclui-se
que uma parcela significativa dos médicos brasileiros é formada à margem desse sistema, não estando preparada para
acompanhar e absorver as inovações no
setor de saúde, vinculadas ao desenvolvimento científico.
Para um país que almeja se beneficiar
do desenvolvimento científico e tecnológico para aumentar o bem-estar e a
qualidade de vida da população, essa é
uma distorção que precisa ser corrigida.
Jair de Jesus Mari, 48, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, é coordenador da pós-graduação da universidade. Marco
Antonio Zago, 55, professor titular de Clínica
Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, da USP, é membro da Academia Brasileira
de Ciências.
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