São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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FERNANDO RODRIGUES

As razões de O'Neill

BRASÍLIA - É inegável que o secretário do Tesouro dos EUA, Paul O'Neill, foi deselegante ao sugerir que o Brasil não deva receber ajuda porque o dinheiro poderá servir para engordar contas na Suíça.
O'Neill e seu governo não passam por um bom momento no campo da moralidade. Mas cabe refletir sobre a razão de tão desastrada declaração.
Uma explicação é simples. É sabido que o governo de George W. Bush, como de resto os de todas as últimas administrações federais dos EUA, é composto em grande parte por caipiras -no sentido de jeca. Viceja por lá a tábula rasa da análise geopolítica. O país é governado por uma elite tosca, cujo pensamento se aproxima ao do cidadão de cultura média.
Daí decorre uma segunda explicação para o ataque do secretário do Tesouro: a imagem do Brasil ainda é péssima para o norte-americano médio. O que O'Neill falou em público é comum ouvir em privado.
O Brasil teve oito anos de FHC e gente falando inglês com fluência. Mas a estabilidade da moeda era falsa, e o país só agora terá, pela primeira vez na sua história moderna, uma transição institucional e normal de um presidente para outro.
Sim, porque Sarney era vice e foi eleito de forma indireta. Collor foi deposto. Itamar tapou o buraco. FHC conseguiu sua reeleição todos sabemos como. Não é nada, não é nada, é quase nada mesmo. Nos Estados Unidos, há eleições regulares há mais de 200 anos. E é uma tradição por lá processar e condenar as pessoas que cometam crimes, mandando-as de algemas para a cadeia.
Mesmo agora, com todos os escândalos financeiros, não adianta os brasileiros se refestelarem dizendo: "a-há!, nos Estados Unidos eles roubam também. E muito mais do que nós!". A diferença é que lá os crimes viram notícia no planeta inteiro. Por aqui, o esforço é total para escondê-los de todas as formas.
No fundo, a declaração de O'Neill incomoda tanto não por ter ofendido de forma irresponsável. Mas talvez pelo que contenha de verdade.



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