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DESCRIMINALIZAR O ABORTO
Tema que envolve convicções e
dilemas de ordem moral e religiosa, o aborto é objeto de um anteprojeto de lei que deverá ser apresentado ao país na próxima semana. O
texto vai propor a ampliação do prazo da interrupção da gravidez nos
dois casos atualmente permitidos
por lei (estupro e risco de vida para a
gestante) e a descriminalização de
todos os abortos realizados até a 12ª
semana de gestação.
Se aprovada, a proposta impedirá
que mulheres sejam processadas criminalmente por se submeterem ao
abortamento. O anteprojeto não prevê a oficialização da prática na rede
pública, mas garante o tratamento
de complicações que dela derivem.
Trata-se, antes de tudo, de uma necessária revisão das defasadas disposições do Código Penal que versam
sobre a matéria desde 1940. Em que
pesem os avanços trazidos pela legislação do Estado Novo (antes dela
mesmo abortos em caso de gravidez
de risco para a mãe e de estupro eram
considerados criminosos e punidos
com pena de reclusão), é preciso reconhecer que essas normas não
atendem mais à realidade do país.
Embora hoje o aborto seja considerado crime, com pena que pode variar de um a três anos para a mulher,
especialistas estimam que anualmente, em todo o país, cerca de 1 milhão de interrupções de gestações
ocorram clandestinamente, a maior
parte delas em condições precárias.
Segundo estatísticas baseadas em
dados do DataSus (Departamento de
Informática do Sistema Único de
Saúde), a rede pública registra 238
mil internações por ano devido a
problemas decorrentes de abortos
feitos em más condições. Acredita-se
que esta seja a quarta causa de mortalidade materna no país.
Um outro aspecto a ser ponderado
diz respeito à maneira perversa com
que a desigualdade social também
intervém nessa questão. Enquanto
mulheres de classes mais favorecidas
recorrem a clínicas particulares e podem até mesmo procurar um país
onde o aborto seja legalizado, as que
pertencem aos setores de baixa renda
são submetidas a situações que colocam em risco a sua saúde.
O anteprojeto é obra de uma comissão tripartite, composta por representantes do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil. Para vigorar, a nova lei precisará, obviamente,
passar por todos os ritos democráticos previstos. Não faltará, portanto,
oportunidade para debates.
Em qualquer circunstância o aborto é uma experiência dolorosa que
toda mulher certamente preferiria
evitar. Para isso, seria preciso promover a educação sexual na rede pública e aumentar o acesso da população aos métodos de contracepção.
Sociedades democráticas pressupõem a convivência com situações
que nem sempre contemplam convicções religiosas e individuais. Ademais, permanece controversa e objetivamente indefinida a questão de
quando começa a vida. A tradição jurídica brasileira, por exemplo, não
corrobora a tese de que ela tenha início com a fertilização do óvulo. Não
fosse assim, mulheres que tenham
perdido o embrião se tornariam, pelas regras da sucessão, herdeiras de
quem as fecundou.
Além disso, os direitos do ser vivo
prevalecem sobre os dos nascituros,
pois a lei autoriza (art. 128 do Código
Penal) que o feto seja sacrificado se
necessário para salvar a gestante.
Diante dessas considerações e da
realidade prática em que se inscreve a
questão, merece apoio a proposta de
banir do Código Penal a caracterização do aborto como crime.
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