São Paulo, Sábado, 31 de Julho de 1999
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A voz rouca das ruas

FERNANDO RODRIGUES

Brasília - Não existe movimento de massa totalmente espontâneo. Aprendi isso na adolescência, quando era trotskista.
Acredito nessa máxima até hoje. Por isso, desconfio dessa greve de caminhoneiros que aparentemente teria surgido do nada.
Minha impressão é que esse movimento que parou o país só é mais um passo de uma tendência, lenta e gradual, de sofisticação dos anseios da sociedade brasileira. Sábia, a população busca caminhos não convencionais para manifestar o seu sentimento de protesto.
Partidos políticos e sindicatos, no formato atual, estão sendo deixados para trás pelos brasileiros.
Às vezes dá certo. Outras vezes, não. Por exemplo, em 89 a população empurrou para debaixo do tapete Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Paulo Maluf e Mário Covas, para citar só quatro, e elegeu Fernando Collor presidente -uma pessoa que não tinha nenhum vínculo orgânico com nada. Deu no que deu.
A culpa não é da população. Como não foi agora dos caminhoneiros. A população age de acordo com as informações de que dispõe. Pode seguir pelo melhor ou pelo pior caminho. Cabe a quem tem o controle do Estado fazer o possível para fornecer os meios para que a democracia seja exercida corretamente.
No governo FHC, foi zero o esforço para aperfeiçoar as instituições que garantem a democracia. O próprio presidente já jogou uma pá de cal na reforma política, a mais necessária, ao dizer que isso não é prioridade dos governistas no Congresso.
Como nada garante que a economia vá melhorar a ponto de acalmar os ânimos da metade mais miserável dos brasileiros, tudo indica que a greve dos caminhoneiros tenha sido apenas um de muitos movimentos "espontâneos" que o país verá nos próximos meses.



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