São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2010

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Classe C de resultado

Eleitores que elevaram o seu padrão de renda e mudaram de classe no governo Lula misturam Dilma, Tiririca e Russomano na hora de votar; escolha mostra pragmatismo dos emergentes, diz especialista

MARIO CESAR CARVALHO
LAURA CAPRIGLIONE

DE SÃO PAULO

Em 2004, no segundo ano do governo Lula, o pedreiro Paulo Sérgio Machado, 34, diz que passou fome. "Mudei para Minas atrás de trabalho, mas deu tudo errado. Minha mulher chegou a pedir comida na rua", conta com a voz embargada e os olhos fixos no chão. Amanhã, se tudo der certo, ele se muda para uma casa própria, de 200 m2, que está finalizando.
Machado e sua mulher, Núbia, 35, merendeira numa escola estadual, fazem parte dos 30 milhões que saíram da classe DE (com renda de até R$ 1.520) e passaram para a C (de R$ 1.521 a R$ 5.100), segundo dados da Fundação Getúlio Vargas.
Vivem no Jardim São Luís, distrito da zona sul de São Paulo que é um dos epicentros da classe C, segundo o instituto Data Popular. Lá, entre 2000 e 2010, 55% dos moradores saltaram para a classe C. Hoje, quase a metade dos 270 mil moradores são da classe C.
Paulo, que se diz malufista, foi de Dilma, Netinho (PC do B) para senador, esqueceu o número de Marta Suplicy e votou em branco, Tiririca (PR) para deputado federal, cravou na legenda do PT para estadual e Celso Russomano (PP) para governador. Núbia, que se declara simpatizante do PT, repetiu Dilma e Tiririca, foi de Netinho e Aloysio Nunes (PSDB) e votou no PT na esfera estadual.
Se você começou a rir da aparente incoerência, pode parar, recomenda o publicitário Renato Meirelles, sócio do Data Popular e especialista no comportamento da classe C. "A classe C é a mais pragmática que existe porque sente mais na pele as mudanças econômicas". O voto em Tiririca, para ele, revela "uma tentativa de chacoalhar o mundo político".
O Tiririca pelo menos fala a verdade", diz Núbia, repetindo com outras palavras o conceito de Meirelles.
O voto em Dilma, segundo ela, é uma retribuição ao que aconteceu na vida do casal. O salário do marido era de R$ 300 em 2003 e chegou a R$ 3.200 -valor pelo qual assumiu a manutenção de igrejas evangélicas.
Os ganhos dela mais do que dobraram nesse período, segundo ela: de R$ 350 para R$ 780. Juntos, recebem R$ 4.000 para criar três filhos.
Conseguiram juntar R$ 30 mil para comprar uma casa sem nenhum acabamento num terreno de 600 m2.
Finalizaram a obra com o cartão Construcard, da Caixa Econômica, que financia a compra de materiais. Gastaram R$ 4.500, que vão pagar em prestações de R$ 158 por um período que ela não sabe quando acaba.

HELIÓPOLIS
Foi o mesmo pragmatismo que uniu no voto de Dalma Regia, 29, o tucano Walter Feldman (candidato a deputado federal) à petista Dilma. "Dilma, por tudo o que fez o Lula; e Feldman por ele apoiar a Companhia de Teatro de Heliópolis. Eu não voto em partido. Voto na pessoa." Dalma é atriz da companhia de teatro.
Heliópolis, zona sul de São Paulo, com população estimada em cerca de 100.000 habitantes, era ontem território livre para boca de urna.
Na Estrada das Lágrimas, perto da escola Manuela Lacerda Vergueiro, santinhos de candidatos eram distribuídos livremente por centenas de cabos eleitorais, diante de policiais militares impassíveis.
Até Cíntia de Souza, que fazia boca de urna para os tucanos Vaz de Lima e Gilson Barreto (recebeu R$ 50 pelo dia de trabalho, sem lanche e nem transporte), declarava voto em Dilma.

PARAISÓPOLIS
Mesmo assim, um nordeste desterrado deixou de votar. Lotou, por exemplo, a quadra da escola Etelvina de Goes Marcucci, encravada na favela-bairro de Paraisópolis, zona sul paulistana, vizinha do rico Morumbi.
A quadra do Etelvina era o local onde cidadãos fora de seu domicílio eleitoral deveriam se justificar.
Imigrantes de cidades como Campo Maior, Batalha e Campinas (Piauí), ou Pombal e Lagoa Nova (Paraíba), ou Jacobina (Bahia), eram em sua maioria jovens que em São Paulo trabalham como porteiros pintores, pedreiros, azulejistas, eletricistas, domésticas, cozinheiras, babás, cuidadoras de idosos.
Por volta das 14h30 de ontem, cerca de 400 desses cidadãos espremiam-se na quadra, preenchendo com caligrafia hesitante o formulário de justificativa eleitoral, muitas vezes um ajudando o outro nos garranchos.
"Em quem o senhor votaria para presidente, se estivesse na sua terra?", perguntou a Folha.
De 58 entrevistados, cinco não responderam. Os 53 restantes declararam: "Dilma".
A calma nas seções eleitorais -muitas das quais vazias- contrastava com a muvuca reinante na quadra. A duas horas do encerramento das votação, os fiscais avaliavam que o Etelvina teria mais justificativas do que votos. "Uma quadra de votos perdidos por Dilma", segundo o cearense Cícero de Assis, 19.


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