São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2010

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RENATA LO PRETE

Feitiço do tempo


Dilma, embora num patamar superior ao de Lula em 2002, entrará no debate com peso maior sobre os ombros

AINDA QUE diferentes institutos confiram a Dilma Rousseff intenção de voto suficiente para se eleger neste domingo, o estreitamento da vantagem da petista sobre os adversários, detectado pelo Datafolha, introduziu na disputa uma dose de imprevisibilidade que faz crescer as expectativas em relação ao último debate entre os candidatos, hoje na Rede Globo.
Debates, mesmo os de audiência expressiva, não definem o curso de uma eleição, mas podem, eventualmente, catalisar reações em processamento no eleitorado.
Olhando em retrospecto, encontram-se semelhanças entre o evento desta noite e o realizado pela emissora em 2002. Dilma, como Lula oito anos atrás, chega com chance de vitória no primeiro turno. José Serra, agora como então, luta para forçar a segunda etapa, algo ameaçado pelo crescimento do terceiro colocado -o lugar hoje ocupado no grid por Marina Silva era de Anthony Garotinho, que chegou a se aproximar do tucano ainda mais perigosamente do que a senadora verde.
Há outras coincidências, pequenas porém significativas. Consulta ao noticiário da época revela que Serra já sofria tanto com o ar-condicionado do estúdio quanto com o assunto Fernando Henrique Cardoso, a ponto de ouvir de Garotinho: "O senhor diz "não sou candidato do governo FHC, sou candidato do governo José Serra". Uma abstração, porque o governo José Serra não existe e nem vai existir".
E Antonio Palocci, um Ministério da Fazenda e um caseiro depois, novamente desempenha na campanha presidencial do PT o papel de "consigliere", tão indispensável quanto o marqueteiro ao lado da candidata nos intervalos do programa. Existem, no entanto, diferenças importantes. No caso de Lula, a perspectiva de liquidar a fatura dali a três dias se baseava em números menos robustos que os de Dilma, mas inscritos numa curva ascendente. Podia dar.
Podia não dar. No final, quase deu, e esse resultado não foi lido como derrota.
Além disso, com a artilharia toda voltada para o candidato da situação (mais do que Garotinho, havia Ciro Gomes para bater em Serra), Lula conseguiu pairar acima de todos, permitindo-se até elogiar o programa anti-Aids implantado pelo tucano quando ministro da Saúde. Nas atuais condições de temperatura e pressão, é difícil imaginar qualquer troca de amabilidades.
Dilma, embora num patamar de intenção de voto superior ao de Lula no dia do debate, entrará no ar com peso maior sobre os ombros. Como a vitória no primeiro turno era considerada, até poucos dias atrás, líquida e certa, a eventual frustração da expectativa será mais difícil de digerir.
Quanto a Serra, sua situação, números à parte, é bem diferente da de 2002. Ali havia futuro político depois da derrota para Lula, desde sempre considerada o resultado natural da eleição. Desta vez, não, e ainda menos se o jogo terminar no dia 3.
Para completar, tanto Dilma quanto Serra serão obrigados a preservar Marina no debate, ao menos até certo ponto, com vistas ao eventual segundo turno. Isso permitirá a ela tentar mostrar que está no páreo.
Por fim, uma diferença no formato do programa. Em 2002, ao final de cada ciclo pergunta-resposta-réplica-tréplica, o mediador, William Bonner, tinha a opção de dirigir ao candidato uma questão complementar, de modo a elucidar dúvidas e/ou buscar alguma concretude no festival de promessas e autoelogios.
Já no segundo turno daquele ano, as assessorias tentaram matar a questão complementar. Desde 2006, vetam-na de saída.
Como se vê, a aversão dos candidatos a perguntas feitas -e refeitas- por jornalistas é suprapartidária. Está aí um problema que a reforma política não vai resolver.


RENATA LO PRETE é editora do Painel

AMANHÃ EM ELEIÇÕES:
JONATHAN WHEATLEY


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