|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Os que fizeram a Guerra do Paraguai
WILMA PERES COSTA
A Guerra da Tríplice Aliança, contra o Paraguai,
marcou um dos episódios mais trágicos e decisivos
da história do continente sul-americano no século
19. A partir de seu término, definiram-se os destinos
de pelo menos três dos Estados nela envolvidos, com
a consolidação da unidade argentina, a inviabilização do projeto nacional paraguaio e o princípio da
crise do Estado monárquico no Brasil. No caso brasileiro, a guerra fez emergir, também, temáticas de
grande interesse para a história das mentalidades,
abrindo novas perspectivas para a interpretação do
país e de sua inserção continental, que vão da geografia à reflexão política, da confrontação entre monarquia e república ao sentimento dramático do peso da escravidão.
Não obstante, tem sido relativamente escasso o interesse dos historiadores brasileiros pela exploração
do tema, principalmente em obras destinadas ao ensino de história e ao grande público. Alguns trabalhos produzidos na academia permaneceram restritos ao público universitário e especializado.
Por essas razões, é extremamente oportuno o lançamento do livro de André Toral, que se originou de
uma tese de doutorado apresentada no departamento de história da USP, cujo enfoque era a iconografia
da Guerra da Tríplice Aliança, representando um
exemplo importante de como a academia pode produzir trabalhos de divulgação de excelente qualidade. "Adeus, Chamigo Brasileiro" utiliza-se da
atraente e universal linguagem dos quadrinhos, a
fim de oferecer uma narrativa da guerra que é ao
mesmo tempo uma história de aventura, um convite
ao estudo da história e uma sensível exploração das
relações entre os temas da Guerra da Tríplice Aliança
e as artes visuais no Brasil, Argentina e Paraguai.
Na primeira parte do livro temos, na forma de história em quadrinhos, com texto e desenhos do autor,
uma curiosa narrativa que mescla os destinos de
dois personagens que, em pólos opostos da escala
social, fizeram a guerra como voluntários da pátria:
o dândi Jorge, convencido a alistar-se pelas artimanhas da mãe, disposta a afastá-lo de um casamento
socialmente inconveniente, e o jagunço Silvino, laçado no sertão da Bahia, por obra da chicana política.
Através dos olhos e das reflexões dessas personagens
e das intervenções do próprio autor-desenhista que
se imiscui também como personagem da trama, desfila uma multivariada fauna humana - aventureiros, negociantes, heróis militares, políticos, contrabandistas, intelectuais em crise, amantes fogosos-,
revelando os múltiplos significados da guerra. A matéria-prima da composição dos tipos é extraída de
algumas narrativas clássicas de ficção ("Iaiá Garcia",
de Machado de Assis) e do memorialismo (Dionísio
Cerqueira, Visconde de Taunay, entre outros), ao
mesmo tempo em que as páginas são pontuadas por
belíssimas reproduções de gravuras de época. Artistas do Brasil, da Argentina e do Paraguai aparecem
como personagens de destaque: o pintor argentino
Cândido Lopez, o artista gráfico paraguaio Ladislau
Iturbe, cuja narrativa pontua a trama. Até mesmo o
pintor brasileiro Vítor Meirelles faz uma "ponta" na
história.
No final, o livro é enriquecido por um breve e equilibrado texto sobre a Guerra da Tríplice Aliança, em
que se enfatiza também a relação da guerra com diversas artes visuais: fotografia, pintura, gravura, xilogravura, nos vários países envolvidos e por uma (excessivamente?) sucinta bibliografia.
Não podemos evitar um pequeno reparo, que nos
parece, entretanto, importante para uma narrativa
que se propõe ser um painel dos tipos que "fizeram a
guerra". Sentimos falta da perspectiva do "exército
de linha", principalmente dos jovens oficiais egressos da escola militar, como André Rebouças e Benjamin Constant, sobre cujo pensamento a guerra exerceu influência decisiva. Da mesma forma, sentimos
falta da figura dos ex-escravos, tanto dos libertos para o serviço de guerra, como daqueles que fugiram
para alistar-se. Poderíamos talvez sugerir, como
ocorre nos quadrinhos, uma continuação da história
na qual esses tipos pudessem também ter sua voz.
Adeus, Chamigo Brasileiro, uma
História da Guerra do Paraguai
André Toral
Cia. das Letras (Tel. 0/xx/11/866-0801)
128 págs., R$ 26,73
Wilma Peres Costa é professora do departamento de política e história econômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e
autora de "A Espada de Dâmocles - O Exército, a Guerra do Paraguai e
a Crise do Império" (Ed. Unicamp/Hucitec).
Texto Anterior: Nelio Bizzo: A evolução de Darwin Próximo Texto: Oswaldo Munteal Filho: Lógica do capitalismo global Índice
|