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Dinâmicas do sindicalismo
JUAREZ GUIMARÃES
Podemos inserir este livro em uma terceira rodada de crítica
à ordem dos poderes e das idéias que vigoram no Brasil a partir
dos anos 90. O mais expressivo nessa crítica é a incorporação
da lição de Maquiavel segundo a qual o desastre não pode ser
explicado apenas pelo movimento dos astros: a "Fortuna" teve
o seu quinhão de responsabilidade, mas faltou "virtú" aos que
se opunham ao novo Príncipe.
Em 1994, tudo indicava que a razão dos fortes havia se convertido na força da razão. A nítida unificação programática dos
de cima, personificada no intelectual presidente, contrastava
com o descentramento político dos de baixo -e aquilo que era
opção histórica para o país ganhou o contorno de quase fatalidade.
Em desafio à onipresença e onipotência das idéias midiaticamente dominantes, formou-se uma primeira rodada de crítica,
de matriz econômica, aos fundamentos do projeto neoliberal.
Conceição Tavares, José Luís Fiori, Francisco de Oliveira, Paul
Singer, Aloysio Biondi, Paulo Nogueira Batista Jr. anteviram o
fracasso macroeconômico e estratégico da tentativa de relançar no país um novo ciclo de modernização conservadora.
Uma segunda rodada de críticas partiu dos círculos da ciência política, quebrando o quase consenso em torno dos caminhos da reforma do Estado. Wanderley Guilherme dos Santos,
Eli Diniz, Olavo Brasil, Sérgio Azevedo, Velasco Cruz, Maria
Lucia Werneck Vianna foram, por ângulos distintos, marcando o insulamento burocrático, a patronagem do Executivo e o
elitismo, o autoritarismo ilustrado e o sentido antipopular das
novas modalidades de políticas públicas.
A inteligência da obra de Boito consiste em procurar ir além,
no sentido de captar a dinâmica profunda da luta política, com
seus fundamentos classistas e choques ideológicos, no cenário
dos anos 90. Sua explicação da crise do sindicalismo brasileiro
não é de extração sociológica e polemicamente desvaloriza
-mais do que seria justo do nosso ponto de vista- as consequências do impacto das novas tecnologias no mundo cada vez
menos homogêneo das classes trabalhadoras. Sintomaticamente, a análise de Boito focaliza as centrais mais importantes,
e não suas bases, sindicatos e comissões de fábrica, onde talvez
o desafio das novas tecnologias seja mais visível.
Para Boito, a força política do projeto neoliberal no Brasil reside sobretudo no fato de ter alcançado uma unidade praticamente total das classes dominantes. Em uma imagem didática,
inspirando-se no último Poulantzas, ele concebe os pilares da
política neoliberal numa série de círculos concêntricos: "(a) o
círculo externo e maior representando a política de desregulamentação do mercado de trabalho e supressão de direitos sociais; (b) o círculo intermediário representando a política de
privatização; (c) o círculo menor e central representando a
abertura comercial e a desregulamentação financeira". O primeiro círculo abrangeria os interesses de toda a burguesia; o
segundo, favoreceria setores da grande burguesia brasileira e o
imperialismo; o terceiro, os interesses do capital bancário e do
imperialista.
Excluídos dos círculos de interesses contemplados pelo governo, os trabalhadores seriam, no entanto, alcançados pela
ideologia neoliberal que, acolhendo de modo farsesco o valor
da igualdade das esquerdas, brande o anti-estatismo como forma de combater privilégios. O autor crê que a "hegemonia regressiva" do neoliberalismo sobre parcelas dos trabalhadores,
na medida em que não incorpora minimamente seus interesses, será mais breve do que o populismo. Mesmo com a qualificação "regressiva", o uso do termo hegemonia, no sentido de
Gramsci, para caracterizar o domínio ideológico do neoliberalismo parece-nos inadequado devido à incapacidade sectária
do neoliberialismo de compor arranjos políticos minimamente universalistas e socialmente incorporadores.
Para Boito, as dimensões objetivas desta crise -mudança na
correlação de forças, pressão estrutural do desemprego- foram exponenciadas pelas diretrizes que prevaleceram na direção da CUT a partir dos anos 90. Segundo ele, "a esquerda perdeu audiência porque incorporou uma visão mais liberal da
sociedade e da política, e o neoliberalismo cresceu porque soube apropriar-se, no plano formal, de um discurso de esquerda:
ele apresenta a política como um confronto duro de interesses
entre os pobres e os privilegiados".
Esta visão, de oposição ao neoliberalismo, mas pressionada
pelos valores liberais, expressa-se na defesa de uma concepção
homogênea da sociedade civil, na perda do tônus classista em
detrimento de uma lógica estrita de interesses, na luta contra a
modernização sem questionar seus fundamentos.
No campo sindical, o papel de resistência econômica e democrática desempenhado pela CUT na década de 80 foi substituído pela ênfase no "sindicalismo propositivo", na negociação
construtiva com a ordem em fóruns tripartites (Estado, trabalhadores e patrões). Esta estratégia implicaria desradicalização
programática, menos ênfase nas mobilizações e espírito de
concentração exatamente no momento em que a ordem fechava-se à negociação e radicalizava o sentido anti-social de suas
políticas.
A ênfase na política de contratação coletiva, artificialmente
transplantada do cenário europeu para as condições estruturalmente diversas do mercado de trabalho brasileiro, foi posta
como alternativa aos direitos sociais constitucionalmente garantidos pelo Estado. As câmaras setoriais, cuja dinâmica mais
forte deu-se no ABC, levaram a um insulamento corporativo
daquele setor da classe trabalhadora que na década passada havia sido a vanguarda do sindicalismo combativo no Brasil.
O estudo de Boito converge, em parte, com as reflexões brilhantes e polêmicas que vêm amadurecendo na obra ensaística
de Luiz Werneck Vianna, que descortina alguns veios interpretativos da esquerda brasileira posterior ao nacional desenvolvimentismo. Isto é, o modo como se fez a crítica de esquerda da
experiência populista -crítica do nacionalismo burguês, mas
elisão da questão nacional, afirmação da identidade classista,
mas incapacidade de traduzi-la em um projeto republicano,
defesa da autonomia perante o Estado, mas incapacidade de
propor uma nova fundação do espaço público- teria aberto
um flanco de comunicação com a tradição liberal, em expansão paradigmática nos anos 90.
Política Neoliberal e Sindicalismo no Brasil
Armando Boito Jr.
Xamã (Tel. 0/xx/11/574-7017)
247 págs., R$ 24,00
Juarez Guimarães é professor de ciência política na Universidade Federal de Minas Gerais.
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