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Uma nova e primorosa coleção de poesia
Quatro espelhos
O Gerifalto
Celso Luiz Paulini
152 págs., R$ 24,00
Azougue Editorial
(Tel. 0/xx/21/ 2239-6606)
A Sombra do Leopardo
Claudio Daniel
88 págs., R$ 22,00
Azougue Editorial
A Vida É Assim
Alberto Pucheu
64 págs., R$ 18,00
Azougue Editorial
Ser Infinitas Palavras
Afonso Henriques Neto
264 págs., R$ 28,00
Azougue Editorial
RUBENS R. TORRES FILHO
Dos livros publicados pela editora Azougue o que melhor conheço é o do poeta e dramaturgo
Celso Luiz Paulini, meu amigo e
companheiro na juventude. Nascido em 28 de setembro de 1929,
morreu em 21 de agosto de 1992,
deixando um vazio e muita saudade. Uma pessoa extremamente
simpática e de grande talento para
as letras: a poesia e a dramaturgia.
Este livro, que contém sua poesia
completa, inclui uma resenha minha do volume "Gerifalto Primus
et Secundus", publicado à custa
do autor em 1979, mas eu gostaria
de acrescentar aqui outras observações por conta desta edição da
poesia completa do Paulini.
Basta ler o poema inédito (profético?) que ele compôs no ano de
sua morte, sob o título de "Percepção":
"Calamo-nos. Não ousávamos
retomar o fio interrompido de
uma conversa./ Os olhos, esses,
buscaram outros espelhos/ dispersos na sombria sala./ Estávamos de perfil e o chá esfriava nas
xícaras/ enquanto pétalas fanadas
borravam o linho branco da toalha./ Soaram seis horas. Um de
nós tentou uma palavra./ Foi então que percebemo-nos mortos".
Com a leitura desse poema, percebemos que o poeta mantém a
elegância de sempre, os constantes jogos de palavras e uma certa
percepção afiada do destino.
Quem sabe, já tivesse um pressentimento de sua própria morte a
ocorrer naquele ano, um mês antes de completar 63 anos.
Paulini conservou até o fim a
mesma qualidade na dicção, o
bom gosto na escolha das palavras, o luxo e a secura sempre encontrados desde seus poemas iniciais. Por isso insisto em falar de
seu preciosismo, quando me lembro de sua exibição de carinho pelo homem, acolhido entre outros
animais (confira-se "Animália",
págs. 26-27), como o cavalo e o
cão. "Homem": "Não pasta. Morde às vezes/ Outras vezes manso
se declina/ Na gama vária de angústia e aflição./ Tem no chão os
pés./ Na cabeça estrelas o atormentam/ Pois que não sabe (é
mártir)/ Onde pousar o coração".
Nesse poema do primeiro "Gerifalto" (1963), temos o poeta observador de todas as naturezas, de
olhar igualitário e sóbrio, que podemos conferir até anos depois,
como no poema "Pedra" (pág.81),
de 1979: "A mais nítida/ A mais
dura/ A mais límpida das pedras./
Aquela que trazias no coração
aberto/ E cujo nome guardavas
sob sete selos./ A pedra de ângulo/
Sobre a qual se assentam os edifícios/ E os engenheiros constroem
a tarde/ Com a precisão de um
pássaro/ Que em vôo sobe, contempla/ E cai".
Onde a generosidade e o misticismo, comum a toda sua obra,
em conjunto com o domínio da
linguagem, converge para a naturalidade com que, imaginamos,
fala de sua própria morte.
De Claudio Daniel (pseudônimo de Cláudio Alexandre de Barros Teixeira), escolhi o poema
"Grécia" (pág. 34) para citar aqui:
"Um Jogo de centauros/ Inflama/
o trigo da pele;/ grita teu olho,/
dos pés à cabeça;/ teu olho é pele,/
teu olho é sol/ de sêmen, desfaz/ o
rosto na água,/ acasala tuas
éguas./ Depois lacera-te,/ lapida
tua boca,/ bebe tua urina./ Arde a
terra,/ arde a carne./ Então, cada
bílis/ e fleuma; despido/ como um
deus,/ abraça a deusa/ do silente
mistério".
Com o verso curto, sem concessões à métrica, o poeta exibe uma
familiaridade com a poesia, com
as técnicas mais recentes (desde
João Cabral e os concretistas) e
um domínio da gramática que
surpreendem o crítico e o leitor.
Uma certa elegância, que perpassa seus versos, é admirável.
Já o livro "A Vida É Assim", de
Alberto Pucheu, é feito com uma
linguagem, pode-se dizer, muito
fértil, mas bem dosada, revelando
uma sensibilidade à flor da pele,
um certo controle literário muito
sutil. Seus poemas são, na verdade, prosas quebradas em versos, o
que, de um lado, estabiliza o fluxo,
de outro, fica um pouco a incerteza se valeria a pena varrer daqui e
dali uma certa comodidade:
"A casa em que moro. A cidade
que me habita./ Nem ao menos a
campainha tem soado, o carteiro
não toca há alguns dias/ (os carros
passam, para garagens residenciais/ ou públicas), o entregador
da lista telefônica/ acaba de bater,
desmentindo a frase mencionada
(passa um/ homem vendendo cocada/ para os operários da obra
do lado. Eu,/ operário da obra ao
lado, compro uma cocada/ para
meu filho), mas não atendo ao
chamado". (do poema "Tudo
Acontece Agora pela Primeira
Vez"). Mas esses versos longos
vão nos ensinando a tomar fôlego
para a prosa de fato que se instala
na segunda parte de seu livro.
O livro "Ser Infinitas Palavras",
de Afonso Henriques Neto, descendente do simbolista Alphonsus de Guimarães, reúne sua produção poética (escolhida) e os
inéditos que formam o volume "A
Água Não Envelhece" numa clara
metáfora da teimosia de que são
feitos os poetas. Como exemplo,
dois poemas do livro "Ossos do
Paraíso" (de 1981):
"Number One": "A chuva de
pássaros e o cachecol de estrelas/
o peixe no congelador e o segredo
das cinzas/ o gole no escuro e o
mistério violado/ o hálito torturado e a sombra no sol/ a vertigem
de sal e o instante sem tempo/
poesia, incomparável dia".
"Number None": "A cagada
grossa e o casamento na roça/ um
pássaro na mão e uma porrada no
fogão/ o deletério no palácio e o
burocrata no ópio/ o tiro na cara
paranóia escancara/ a máscara
sem dono e a tortura tortura/ pois
não ia, nunca volto um dia".
Há concisão no manejar das palavras e esgotamento preciso de
sentido, suas imagens resvalam
pelo real e pelo que se quer dele:
"... Cidade dos labirintos uivantes/ delirantes vinhedos abafados/
sonâmbulas epidemias & espermas filosofais// Satã, se enfureça
de nossa imensa miséria ..." , do
recente poema "Outras Litanias".
Com uma ênfase especial sobre a
fugacidade das coisas e sensações.
Temos então uma nova coleção
de poesia que, em sua totalidade,
mostra uma escolha primorosa
de poetas claramente notáveis.
Rubens Rodrigues Torres Filho é poeta e autor, entre outros livros, de "Novolume" (Iluminuras).
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