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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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América, América


Billy Budd
Herman Melville
Tradução: Alexandre Hubner
Cosac & Naify (Tel. 0/xx/11/3218-1444)
160 págs., R$ 33,00


A bela edição de "Billy Budd", acrescida de um ensaio de Cesare Pavese, coloca o leitor diante de uma obra-prima que foi escrita em 1891, mas só conheceu sua primeira edição em 1924. Com "Moby Dick" (1851), Melville redefiniu o simbolismo do mar, rota que o levou, a partir de "Benito Cereno" e de "Pierre", a desviar-se do naturalismo, depurando recursos eróticos e anárquicos. O texto, aparentemente inacabado, inova ao tratar de forma introspectiva, quase lírica, o confronto entre o belo marujo Billy e o mestre d'armas Claggart. Dessa viagem desaparece o destino e, do mar, sua dimensão épica de natureza indomável. É no prosaísmo do convés e no range-range dos mastros que as intrigas, o poder e o desejo adquirem dimensão trágica. Trata-se de uma singela meditação moral sobre os dilemas entre as convenções sociais e a inocência, que remete, como alegoria, à Revolução Francesa, terminando com a constatação entristecida de que o preço da ordem e da civilização é a aniquilação da beleza.



Adeus às Armas
Ernest Hemingway
Tradução: Monteiro Lobato
Bertrand Brasil (Tel. 0/xx/21/2585-2070)
352 págs., R$ 39,50


"Adeus às Armas" (1929) contém a prosa mais ousada de Hemingway (na tradução histórica de Monteiro Lobato), afirmando sua modernidade literária com um diálogo ágil e certeiro, frases curtas e narrativa crua. Esse "tought style" rompia definitivamente com a tradição, de Henry James e Edith Warton, que buscava encontrar, por meio de uma depuração formal rigorosa, a multiplicidade dos pontos de vista e a complexidade da vida. Narrado em primeira pessoa e dando primazia à ação, "Adeus às Armas" relata -com fortes elementos autobiográficos- a participação de um norte-americano na Primeira Guerra Mundial. Contudo, como em John dos Passos, o tratamento é anti-heróico: não há arrojo ou idealismo, apenas irracionalidade, horror e tédio; a descrição da retirada de Caporetto causa embaraço, e não emoção, pois assume o mal-estar dessa geração de expatriados, que, desencantada, agarrava-se instintivamente à vida e à morte. Resta saber se tal escrita vigorosa, hoje tão próxima da velocidade e da simplicidade do best-seller, não perdeu seu efeito de ruptura.


Este Lado do Paraíso
F. Scott Fitzgerald
Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura
Cosac & Naify (Tel. 0/xx/11/3218-1444)
336 págs., R$ 42,00


"Este Lado do Paraíso" (1920) é um romance da fase de formação de Scott Fitzgerald. Se há verborragia e exibicionismo juvenis, típicos de um romance de estréia, já anuncia, contudo, o estilo refinado e cortante do autor. Trata-se da "Bildung" de Amory Blaine, um "engomadinho egocêntrico", educado no espírito pretensamente aristocrático do Sul e na consciência de classe apurada em Princeton, num país que cada vez mais assumia o prosaísmo do poder do dinheiro. No percurso, Amory constata que a "beleza está inseparavelmente ligada ao mal" e que a "vida americana é saudável, justamente por ser estúpida e vazia". Uma trajetória psíquica carregada de tabus sexuais, que começa com grandes esperanças e termina em ilusões perdidas, no inevitável ajustamento ao mundo. Ao transformar uma mobilidade irrequieta e arrogante em abnegação e desencanto, Fitzgerald atinge, com seu olhar antipuritano, o coração da modernidade.


O Grande Gatsby
F. Scott Fitzgerald
Tradução: Roberto Muggiati
Record (Tel. 0/xx/21/2585-2000)
252 págs., R$ 32,00


Essa nova tradução tem por base a edição crítica de 1991, da Cambridge University Press. Cabe ao leitor avaliar o resultado, mas em todo caso, o romance (1925) continua sendo um dos melhores exemplos das possibilidades da literatura realista. Ao adotar o ponto de vista qualificado e não neutro de Nick Carraway, um próspero americano do Meio-Oeste, a trama concentra e sintetiza os elementos da narrativa. De forma despojada, surgem Nova York e Long Island dos anos 20, com seus personagens afetados, indiferentes e muito ricos, "vagando do nada ao nada". Em construção refinada, com recuos no tempo e cortes precisos, Fitzgerald vai delineando o desamparo e a tragédia de Jay Gatsby. Um roteiro do desejo de Gatsby que começa e termina em Daisy, "segura e orgulhosa, acima dos duros embates dos pobres". Esse objeto de desejo representava para ele tanto um instante de beleza e apaziguamento vividos no passado como o mito originário da América, com sua promessa de riqueza, acolhimento e felicidade. Para obtê-los, ele teria que apagar seu passado. Seu "sonho já nasceu morto". Apreendendo as fraturas do tempo, Fitzgerald foi tão fundo na generalização, tão demolidor que fez de o "Grande Gatsby" uma perturbadora história americana.

ARLENICE ALMEIDA DA SILVA

é doutora em filosofia e pós-doutoranda em história pela USP.

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