São Paulo, Sábado, 10 de Abril de 1999 |
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Onde, quem, o quê
ANNA FLORA
Spolin reforça que "antes de jogar devemos estar livres". Temos que ver, tocar e ocupar o ambiente sem medo de expor nosso corpo. É como se a dicotomia aprovação/desaprovação ficasse suspensa, pois o que conta é a alegria provocada pela atividade lúdica. Todos participam e ninguém está preocupado com o julgamento alheio. Outra característica importante do sistema é o conceito "fisicalização". Ingrid Koudela escreveu uma tese pioneira chamada "Jogos Teatrais", na qual analisa minuciosamente o trabalho de Spolin. Nesse exame ela nos fornece um dado essencial: ação espontânea não equivale ao espontaneísmo do "deixar fazer". A espontaneidade exige uma integração entre os níveis físico, emocional e cerebral do indivíduo. A palavra "physicalization" é traduzida por "corporificação". Ou seja: no teatro, o que importa é a comunicação física direta; os sentimentos de cada participante são um assunto pessoal. Reforçar o relacionamento objetivo e físico com a arte dramática traz uma compreensão maior para alunos e atores. Essa idéia é significativa, pois atualmente alguns educadores ainda defendem o ensino do teatro mediante frases vagas como "as artes cênicas incentivam a socialização e o desenvolvimento da criança como um todo". Ao contrário disso, o sistema de Spolin enfatiza a essência da arte: o teatro possui um valor em si, tem uma linguagem particular que o distingue das outras manifestações artísticas e requer um método para ser transmitido. São esses fatores que justificam o seu aprendizado. Um dos aspectos positivos do manual é que, devido à flexibilidade das normas, os jogos mais complexos podem ser adaptados para faixas etárias menores. A sintonia entre o uso do símbolo e da regra permite à criança compreender que o ato de representar não é um "faz-de-conta" aleatório e sem sequência. A ficção requer verossimilhança e esta necessita da lógica para ser elaborada pelo sujeito criador. É importante ressaltar o papel decisivo de Ingrid Koudela, educadora da Escola de Comunicação e Artes da USP, na divulgação desse sistema no Brasil. Quando este livro foi traduzido, apontou uma saída, ao mostrar que o indivíduo necessita de uma disciplina interna, justamente para garantir sua liberdade de criação. É essa harmonia que confere aos jogos teatrais uma utilidade ímpar e atual. Anna Flora é escritora, autora de "O Louco do Meu Bairro" (Ática) e "A República dos Argonautas" (Cia. das Letras), entre outros. Texto Anterior: Fátima Évora: Tradição e inovação Próximo Texto: André Carone: O vocabulário freudiano Índice |
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