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A diferença brasileira
CELSO FAVARETTO
A ambição deste livro é unir reflexão e didatismo, crítica
e história. Concebido como trabalho acessível para jovens desejosos de conhecer as transformações artísticas
dos anos 60, propõe-se como uma "introdução à história
da arte" e "um estudo sobre as principais questões e linguagens que dominaram aquele momento". Além disso,
pretende oferecer aos especialistas uma oportunidade de
refrescar a memória e aferir perspectivas sobre a arte do
período.
Operando uma seleção de artistas e obras, de propostas
e atividades, Paulo Sérgio articula um campo histórico-crítico, preciso nas referências e na orientação teórica.
Embora a intenção não seja produzir um capítulo de história da arte no Brasil, o livro é mais que uma introdução
ao período, pois tem no horizonte um entendimento das
principais experiências daquele tempo como fundadoras
da arte brasileira contemporânea.
A composição de texto reflexivo, informação histórica,
biografia de artistas e reprodução de obras resulta em
uma interpretação sobre a produção do período, com
sentido inequívoco: a afirmação da especificidade da arte
brasileira dos anos 60 em confronto com as experiências
americanas e européias, mediante a crítica às aproximações fáceis que comumente são feitas entre a Nova Figuração brasileira e a Pop Art ou o Nouveau Réalisme. A defesa da autonomia da produção de Antonio Dias, Nelson
Leirner, Wesley Duke Lee, Roberto Magalhães, Rubens
Gerchman e Vergara, por exemplo, ancora-se nos modos
de articular as inovações formais e a figuração da situação
histórico-cultural.
Traçando as direções preponderantes das pesquisas
dos artistas focalizados e analisando obras, Duarte ressalta a originalidade formal das propostas e o agenciamento
surpreendente do imaginário. Entre o ponto de partida
das atividades vanguardistas, com a mostra "Opinião
65", e a explicitação do conjunto das variadas experiências, na exposição "Nova Objetividade Brasileira", de
1967, delineia-se a "diferença brasileira".
Os trabalhos dos artistas nacionais apresentavam-se como crítica dos impasses da abstração construtiva e do informalismo, assim como das idéias e realizações das tendências internacionais, Pop, Op, Nouveau Réalisme, Primary Structures, que eram as referências do momento. A
idéia de "participação", surgida das experiências neoconcretas, foi erigida em princípio da posição estética que foi
se definindo entre 65 e 67. Nela não mais se distinguiam
os modos de efetivação de programas estéticos e exigências ético-políticas. A significação social da arte deveria
passar necessariamente pela renovação das formas, dos
processos e da própria concepção de arte.
Visando à imbricação de inconformismo estético e social, às transformações estruturais e do comportamento
criativo, a participação do espectador e a relação artista-público, no texto "Esquema Geral da Nova Objetividade", Hélio Oiticica formula os seguintes objetivos das atividades que compunham o que ele denominou "vanguarda brasileira": vontade construtiva geral; tendência
para o objeto pela superação do quadro; participação do
espectador; tomada de posição ético-política; ênfase nas
proposições coletivas; novas formulações do conceito de
antiarte.
As aspirações, os problemas, as ambiguidades e a destinação das experiências, cifradas nesses princípios norteadores das transformações da idéia e da significação da arte, apontavam a existência, naquele momento, de uma
produção que estava efetivamente abrindo no Brasil o
campo do trabalho contemporâneo. Arte de ruptura, era
também arte de fundação. Hélio Oiticica tinha uma clara
idéia dessa abertura; não é outra a posição que define
com a proposição do experimental, entendido como
"elemento construtivo": "Os fios soltos do experimental
são energias que brotam para um número aberto de possibilidades".
Nessa direção, o autor insiste na relevância do "sentido
de construção" propugnado por Oiticica como a marca
distintiva e mais característica da arte brasileira até hoje.
Compondo abertura estrutural e ação no ambiente, crítica da arte e significação cultural, o peculiar construtivismo desatado nos anos 60 pela vanguarda brasileira ressignificaria as experiências que desde o neoconcretismo
vinham provocando mudanças na concepção do objeto e
sentido da arte, assim como dos modos de efetivação dos
projetos, obras e acontecimentos. Essa orientação construtiva permaneceria mesmo depois que, no início dos
anos 70, o conceitualismo e o minimalismo diluíssem as
experiências brasileiras específicas pela consonância com
o campo experimental internacional.
Na última parte do texto, Paulo Sérgio Duarte aponta
aquelas "investigações e experiências" que, "depois do
construtivismo", depois do fechamento das atividades da
vanguarda brasileira, teriam fundado e consolidado uma
arte brasileira contemporânea, consentânea aos rumos
gerais da contemporaneidade. Estes artistas -Oiticica,
Lygia Clark, Mira Schendel e Sérgio Camargo-, desenvolvendo um "trabalho de laboratório", teriam gerado as
condições para o enfrentamento, por parte de outros artistas, do desafio surgido na encruzilhada da crítica dos
anos 60, das proposições conceituais e minimalistas e dos
novos problemas colocados pela mídia. Os artistas surgidos dessas experiências fundadoras, tendo incorporado a
herança construtivista, iriam substituir a "violência simbólica" pela constituição dos simbolismos próprios da
arte, situando-os no "confronto entre obras de arte e instituições".
Anos 60 - Transformações da Arte no Brasil
Paulo Sérgio Duarte
Campos Gerais (Tel. 0/xx/21/533-3688)
324 págs., R$ 180,00
Celso Favaretto é professor na Faculdade de Educação da USP e autor de "A Invenção de Hélio Oiticica" (Edusp).
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