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Crônica da redemocratização
Tempo Presente: do MDB a FHC
Fábio Wanderley Reis
UFMG (Tel. 0/xx/31/3499-4650)
403 págs., R$ 41,00
Da transição democrática ao fim do governo FHC
FABIANO SANTOS
Professor de várias gerações hoje
atuantes no meio acadêmico, autor de
vasta obra em torno de temas como racionalidade e política, instituições e democratização, cultura cívica e comportamento eleitoral, o cientista político Fábio
Wanderley nos brinda agora com uma
coletânea de pequenos artigos de conjuntura, publicados em jornais e elaborados
ao longo dos mais de 20 anos que marcam o início de nossa transição democrática até o final do segundo mandato do
governo Fernando Henrique Cardoso.
A principal qualidade do livro é a de
mostrar a contribuição que o estudo sistemático do fenômeno político pode trazer para o debate público, quando questões cruciais de nosso destino vêm à tona
e exigem o posicionamento do conjunto
da sociedade. Democracia também se
constrói com pedagogia política e esta
depende do debate aprofundado dos temas fundamentais com os quais uma nação se confronta. Neste sentido, a clareza
com que os temas são debatidos, os diversos argumentos em torno de uma
controvérsia, o peso de cada um, a abordagem crítica quando necessária, todos
estes elementos estão presentes nesses
pequenos ensaios, atingindo em sua essência aquilo que talvez seja a melhor
contribuição que o cientista político pode
trazer para o grande público: esclarecimento.
A primeira parte, "Autoritarismo e
Transição", trata dos problemas relacionados à redemocratização do país. As estratégias da oposição e do regime, a
emenda das "diretas já", a esperança depositada na eleição de Tancredo Neves à
Presidência da República e a posterior
decepção com o seu prematuro desaparecimento, o período Sarney e o Plano
Cruzado, a Constituição de 1988, a ascensão de Collor e o plebiscito sobre o sistema de governo são os temas tratados ao
longo das primeiras 70 páginas do livro.
Um conceito muito presente na reflexão do autor é o de "pretorianismo". Elaborado pelo cientista político Samuel
Huntington, professor de Harvard, onde
Fábio Wanderley obteve o PhD, o conceito descreve situações de baixa capacidade
do sistema político em absorver demandas e conflitos, tornando-o presa fácil de
aventuras autoritárias. A atuação política
de grupos sociais, tais como militares, estudantes, sindicatos, empresariado, na
ausência de canais institucionalizados de
participação, isto é, diante de um sistema
partidário ainda instável e com dificuldades para legitimar-se, geraria um quadro
de ingovernabilidade que se expressaria
na incapacidade de o governo intermediar clivagens radicadas na sociedade.
Na verdade, o receio de Fábio Wanderley, diante da estratégia de parte da oposição para criar novos partidos a partir do
tronco comum do antigo MDB e seu patrimônio político institucional consolidado, provém da mesma raiz analítica dos
trabalhos de Huntington, a teoria da modernização política, teoria que se viu até
certo ponto infirmada pelos próprios fatos. Temos, neste contexto, mais uma demonstração de que a história prega peças
na ciência política, sempre a desmentir as
mais brilhantes e convincentes análises.
O voto no Brasil
"Democracia, Eleitorado e Reformas"
trata de eleições e problemas institucionais. A reforma do sistema eleitoral, o
comportamento do eleitorado brasileiro,
as características do espectro ideológico
do nosso sistema partidário e o papel das
pesquisas eleitorais são as questões que
povoam este conjunto de artigos. Tirando proveito de sua experiência em "surveys" eleitorais, o autor analisa a questão
do voto no Brasil. Contudo, ao arriscar
opinião favorável à adoção do voto distrital misto, o autor comete pequena escorregadela na temática institucional. Fábio
Wanderley argumenta que não encontra
motivos para não experimentar tal sistema no país, mas tampouco oferece boas
razões para fazê-lo, com exceção de ser
um meio-termo entre o sistema majoritário e o proporcional.
Considerando que intervenção em assuntos institucionais é sempre algo delicado e envolve efeitos incertos, não parece persuasivo introduzir alteração institucional dessa envergadura apenas para
conciliar ponderações de defensores dos
dois sistemas clássicos de representação.
"Nação Brasileira e Questão Social"
possui forte componente sociológico. O
problema do nacionalismo no contexto
contemporâneo, racismo, xenofobia, desigualdade e exclusão social fazem parte
da galeria de assuntos abordados. O
grande destaque nessa altura do volume é
sem dúvida a argumentação de Fábio
Wanderley sobre as possibilidades da
ação afirmativa no Brasil. Defensor da
idéia segundo a qual a democracia racial
é um valor a ser permanentemente almejado, o autor expõe bons motivos para
que abandonemos a importação de soluções para o problema da desigualdade.
Nova oportunidade para a exposição surgirá do próximo período presidencial,
uma vez que o governo recém-empossado prometeu em campanha adotar política de cotas para negros em universidades
públicas e empresas.
A quarta parte, "Cena Mundial e Globalização", introduz temas ligados à política
internacional. O impacto do capital financeiro na política interna dos países
emergentes, os novos contornos assumidos pelo capitalismo contemporâneo, a
questão do império e as novas formas de
"governança" fazem parte das preocupações de Fábio Wanderley nesta seção da
coletânea. O ponto de interesse aqui é a
contraposição feita entre os valores hegemônicos nas sociedades de mercado, notadamente o de autonomia individual, e
os ideários de solidariedade, pertencimento e interesse coletivo presentes no
"telos" do socialismo.
Vale dizer, se a globalização consagra
em escala mundial o desiderato da liberdade individual, perde-se muito em
questões-chave da vida social, como
identidade coletiva e valores comunais.
Essas considerações são feitas ao longo
de páginas em que eventos nacionais e
mundiais, bem como comentários a
obras importantes no pensamento social
contemporâneo, servem de pretexto para
a análise.
O período FHC
"Governo FHC e Oposição" é dedicada
à análise dos dois últimos períodos presidenciais. CPIs, a questão da reeleição, a
aliança de FHC com o PFL, o comportamento do PMDB e da oposição, principalmente do PT, o Plano Real, o apagão e
as possibilidades de um governo petista
são os temas abordados na última parte
do livro. A principal linha de argumentação aqui presente trata da necessidade de
se implantar uma verdadeira social-democracia no país e dos problemas enfrentados pelos tucanos para alcançar tal
objetivo.
A falta de uma base sindical no partido
do presidente, uma coalizão de apoio no
Congresso de perfil conservador, uma
certa passividade do governo diante da
crescente vulnerabilidade externa de
nossa economia são alguns dos problemas identificados por Fábio Wanderley a
impedir que os valores da livre-iniciativa
e liberdade individual pudessem ao longo destes oito anos de mandato de FHC
se conjugar com a proteção do tecido social mediante políticas de inspiração socialista.
Em suma, com a coletânea "Tempo
Presente" Fábio Wanderley fornece um
belo conjunto de crônicas sobre o processo de consolidação de nossa democracia,
no qual estão sempre presentes a percepção aguda dos principais problemas sociais e políticos no Brasil e no mundo,
aliada à clareza de exposição e capacidade analítica para dar conta de seu entendimento e propostas de solução institucional. Discordâncias, não obstante.
Fabiano Santos é professor de ciência política do
Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro).
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