São Paulo, sábado, 11 de março de 2000 |
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Raízes do atraso
O Longo Amanhecer - Reflexões sobre a Formação do Brasil Celso Furtado Paz e Terra (Tel.0/xx/11/223-6522) 116 págs., R$ 14,00 MARILENA CHAUI "O Longo Amanhecer" é tecido com o fio de uma interrogação precisa: por que o Brasil permanece num amanhecer tão longo? Sua resposta, retomando o que disse um clássico, é que a economia é a anatomia da sociedade e, portanto, os processos econômicos só possuem sentido se compreendidos e explicados como acontecimentos sociais e políticos. Em outras palavras, somente a história nos permite interpretar a sociedade e, parafraseando Celso Furtado, é preciso distinguir entre a racionalidade meramente formal do mercado e a racionalidade substantiva da sociedade e da política. Composto de sete ensaios, o livro se debruça sobre a "formação" do Brasil, buscando as causas e analisando as expressões do atraso brasileiro. Examina a colonização portuguesa, o vínculo de dependência da monarquia lusa e da brasileira com a Inglaterra, as mudanças políticas, sociais e econômicas que prepararam a República e se realizaram em seus dois primeiros decênios e, narrando a experiência pessoal do autor entre o final da Segunda Guerra e o presente, oferece um quadro para compreendermos nosso passado e pensarmos em nosso futuro. Os exemplos de Machado de Assis, na cultura, e Rui Barbosa, na política econômica, o estudo sobre o federalismo nas instituições republicanas, as referências à antiga Cepal (Comissão Econômica Para a América Latina e Caribe) e ao período Kubitschek ilustram um percurso em que se desenha o perfil do país, com seus achados e perdidos. Progresso e modernização Porque os aspectos sociais e políticos da economia são o que interessa a Furtado, merece especial destaque a análise do autor sobre o sentido do que, no século 19, chamou-se de "progresso" e, desde os últimos decênios do século 20, vem sendo chamado de "modernização". Depois de um longo período de estagnação, a economia brasileira do século 19 teve um momento de expansão e crescimento, decorrente das exportações de matérias-primas. O excedente não foi investido em atividades produtivas e sim despendido no consumo das classes abastadas, e esse consumismo, com o qual os ricos marcavam a diferença social e o fosso que os separava do restante da população, recebeu o nome de progresso. Modernização, por seu turno, é o nome dado à maneira equivocada que os dirigentes encontraram para inserir o país no processo de globalização. Dentre os vários equívocos da chamada modernização, apontados pelo autor, mencionemos brevemente três: 1) boa parte da sociedade brasileira está convencida de que, com altos e baixos, a inflação foi vencida no Brasil. Triste engano. Não estamos percebendo que a inflação aberta, que conhecíamos, foi apenas substituída pela inflação embutida, isto é, o déficit em conta corrente da balança de pagamentos; 2) boa parte da sociedade brasileira está convencida de que, com percalços e alguns custos sociais de curto prazo, o país finalmente caminha para a modernização, graças à ampliação dos setores econômicos que utilizam tecnologia de ponta e garantem aumento da produtividade. Trágico engano. Não estamos percebendo que aumento de produtividade não só não significa aumento da produção, mas sobretudo que essa modernização gera desemprego, exclusão social e reforço da concentração da renda; 3) boa parte da sociedade brasileira está convencida de que o Brasil, enfim, possui uma estabilidade econômica que lhe garante credibilidade internacional e que isso significará importantes investimentos de longo prazo e o crescimento econômico do país. Novo engano. Essa estabilidade foi conseguida à custa da submissão às diretrizes do FMI, que exigem compressão da demanda para aumentar a capacidade para o pagamento do serviço da dívida externa, e essa estratégia significa que a recessão é vista como boa e como um objetivo a ser perseguido. E recessão significa desemprego, desmantelamento do setor produtivo, exclusão social e miséria. Globalização da economia No centro da reflexão de Celso Furtado encontra-se, evidentemente o processo contemporâneo de globalização da economia com seus efeitos sociais e políticos, particularmente a exclusão social e o enfraquecimento do Estado nacional. Enfatizando a diferença entre a globalização do sistema produtivo e a globalização do sistema financeiro, assinalando o poderio político do primeiro e os riscos de crises inesperadas, provocadas pelo segundo, o autor discute os problemas de governabilidade e oferece propostas, cujo intuito é contrastar a estratégia de política econômica apresentada pela Cepal, em fevereiro de 1999, e chegar a um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, independente de um monitoramento da política pelas empresas transnacionais. Que propõe a Cepal? Três objetivos estratégicos: 1) busca da eficiência com ênfase na tecnologia intensiva e competitiva; 2) busca de matérias-primas para abrir ao exterior o setor produtivo de minerais e combustíveis; 3) abertura dos mercados financeiros, de telecomunicações, eletricidade e gás. Essa estratégia unifica as economias latino-americanas, coloca o dólar como moeda comum e faz dos EUA o banqueiro central. Qual seu sentido? Desmantelar projetos produtivos próprios (que têm como núcleo e como alvo o mercado interno) com custos sociais e políticos altíssimos e, com a dolarização, bloquear projetos políticos independentes. Que propõe Celso Furtado? Enfrentar o subdesenvolvimento, a pobreza e a miséria pela raiz, portanto, combater a concentração patrimonial da riqueza e da renda, investir na promoção do bem-estar social (salários, terra, habitação, saúde, educação) e definir a forma de inserção do país no processo de globalização, de maneira a conciliar globalização e criação de empregos, privilegiando o setor produtivo e o mercado interno na orientação dos investimentos. Essas propostas são "políticas" e o autor sabe que realizá-las é aceitar o desafio de um dilema: "Ou optar pela linha mais fácil de renunciar a um projeto próprio ou lutar para abrir caminho no sentido de privilegiar o desenvolvimento do mercado interno. Nessa segunda hipótese, o acesso à vanguarda tecnológica será mais custoso, mas o desenvolvimento será mais autodirigido e as forças que apóiam mudanças sociais, mais participativas. Para os que adotam essa posição contestadora a história está longe de apresentar-se como concluída" (págs. 24-25). Eis por que este livro é otimista: seu tema não é o ocaso e sim a aurora. Marilena Chaui é professora no departamento de filosofia da USP e autora, entre outros, de "A Nervura do Real" (Companhia das Letras). Texto Anterior: Nicolas Shumway: A identidade da América Latina Próximo Texto: Maria Arminda Arruda: Profissões imperiosas Índice |
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