|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Globalização e atraso
CELSO FREDERICO
Dependência e estrutura de poder: são essas as referências que
nortearam a reflexão de Plínio de
Arruda Sampaio Jr. neste momento de aceitação fatalista do
processo de globalização imposto
aos países do Terceiro Mundo.
O ponto de partida do autor é o
esgotamento do modelo "substituição de importações", responsável pelo ciclo desenvolvimentista ocorrido do pós-guerra. Baseado na difusão da Segunda Revolução Industrial na periferia, o ciclo
expansivo proporcionou o aumento progressivo dos salários
reais e a expansão econômica e
assistencial do Estado.
Entretanto, as transformações
ocasionadas pela Terceira Revolução Industrial foram acompanhadas pelo crescente predomínio do capital financeiro internacional. Assim, as transformações
tecnológicas processadas no coração da fábrica moderna golpearam duramente o sindicalismo e
sua capacidade de pressionar por
melhores salários; a volatilidade
do capital financeiro, por sua vez,
encarregou-se de enfraquecer o
controle estatal sobre o mercado.
Com isso, "o novo padrão de
transformação capitalista desarticulou as premissas econômicas e
políticas que haviam possibilitado o funcionamento de sistemas
econômicos nacionais relativamente autônomos".
O desfecho desse ciclo histórico
fez-se acompanhar da ofensiva
contra o mundo do trabalho e da
triunfante ideologia neoliberal. As
relações entre centro e periferia
alteraram-se de forma substantiva. Agora, assiste-se à desindustrialização e ao esvaziamento do
sistema econômico nacional. A
nova etapa interrompeu "o movimento de construção da nação".
O autor não concorda com as opiniões apressadas que lamentam
ou festejam o fim do Estado-nação. O Brasil não acabou: apenas
atravessa mais uma fase crítica
sob a ameaça da "reversão neocolonial" e crise da "identidade nacional".
Inquirindo sobre a perplexidade que vem bloqueando a imaginação de seu colegas economistas, o autor identifica nas modificações do ideário do Centro de
Estudos Para a América Latina
(Cepal) o componente ideológico
responsável pela atual paralisia.
Capitalismo tardio
Desde 1949, Raul Prebich defendia a tese do desenvolvimento como um processo de ruptura com
as forças externas e internas que
se locupletavam com o subdesenvolvimento. Entretanto, uma situação conjuntural -o crescimento da economia brasileira durante os anos do "milagre"-
inaugurou uma completa reviravolta teórica. Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Falleto acreditaram que dependência e desenvolvimento poderiam caminhar juntos. Em registro diferente, surgiram as teorias sobre o "capitalismo tardio". Constatando o peso
do parque industrial brasileiro e
suas possibilidades expansivas,
alguns autores concluíram que "o
grande desafio das economias retardatárias é superar as descontinuidades técnicas e financeiras
que obstaculizam o salto para a
industrialização pesada".
Esta superação seria realizada
pela união entre o capital nacional, o capital internacional e o Estado. Com isso, ocorreria um esvaziamento da "questão nacional", já que o eixo do desenvolvimento consistiria na constituição
de um departamento de bens de
produção, para o qual a fragilidade e inércia de nossa burguesia
não é levada em conta e o capital
estrangeiro é visto como aliado
natural.
A OBRA
Entre a Nação e a Barbárie -
Os Dilemas do Capitalismo
Dependente
Plínio de Arruda Sampaio Jr.
Vozes (Tel. 0/xx/24/273-5112)
254 págs., R$19,00
|
A centralidade conferida à
questão nacional levou Plínio de
Arruda Sampaio Jr. a buscar referência para a compreensão da
teoria do desenvolvimento em
Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Celso Furtado. Representantes de uma mesma geração de intelectuais engajados no projeto de
construir um destino para o nosso país, esses três clássicos do
pensamento social brasileiro do
século 20 mergulharam fundo na
compreensão da determinação da
herança colonial sobre os dilemas
do desenvolvimento econômico.
Cada um desses autores mereceu um capítulo especial. Sampaio Jr., assim, faz uma reconstrução dos impasses do desenvolvimento mostrando como cada autor, a seu modo, chegou a diagnósticos semelhantes que apontavam os mesmos obstáculos internos e externos que reproduziam o
subdesenvolvimento e a dependência. A reconstrução histórica
levada a cabo pelos três autores
seria então "o primeiro passo" para colocar as coisas no seu devido
lugar e, assim, romper com a paralisia teórica e o imobilismo político.
A busca de referências teóricas
sólidas para enfrentar os desafios
do presente, tal como é proposto
no livro, merece alguns comentários:
a) ninguém põe em dúvida a
contribuição insuperável de Caio
Prado, Florestan e Furtado. Mas
permanece a questão: cada um
deles trabalha com um referencial
teórico diferente. Como organizar
material tão díspar? Sampaio Jr.
escolheu fazer um recorte buscando a complementaridade: as
deficiências de um autor são completadas pela contribuição de outro. A saída é inteligente, mas
eclética. Outro autor, mais afeito
às sutilezas epistemológicas, poderia refazer o mesmo percurso
com o intuito de forçar as diferenças e, assim, relativizar as convergências;
b) outro ponto delicado é a retomada de autores clássicos para a
compreensão do presente. Evidentemente, o Brasil não mudou
tanto a ponto de tornar envelhecidas as contribuições de seus mais
destacados intérpretes. Mas as recentes metamorfoses do capitalismo criaram uma realidade nova,
cujos desdobramentos estão além
do horizonte das obras de Caio
Prado, escritas antes da eclosão da
Terceira Revolução Industrial e
de seus efeitos devastadores nos
países subdesenvolvidos. Para
quem quer, como o nosso autor,
ver a teoria iluminando a prática
política, é preciso ir além do "primeiro passo";
c) por isso, já que falamos em
política, a proposta de atualizar as
contribuições de nossos clássicos
cobra o seu preço: Sampaio Jr., ao
reivindicar com argúcia a necessidade da ruptura com os entraves
internos e externos ao desenvolvimento, pergunta-se, mas sem ainda ter a resposta, sobre quais seriam os novos atores sociais interessados em convergir no projeto
de reconstrução nacional.
Esses comentários evidentemente em nada diminuem a importância da obra. Numa época
de conformismo e perplexidade,
um livro como esse -inteligente
e ousado- é sempre bem-vindo.
Celso Frederico é professor da Escola de
Comunicações e Artes da USP e autor, entre
outros, de "O Jovem Marx" (Cortez).
Texto Anterior: Sergio Miceli: Contra o retrocesso Próximo Texto: Milton Meira: Tutela e fantasmagoria Índice
|