São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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Globalização e atraso

CELSO FREDERICO

Dependência e estrutura de poder: são essas as referências que nortearam a reflexão de Plínio de Arruda Sampaio Jr. neste momento de aceitação fatalista do processo de globalização imposto aos países do Terceiro Mundo.
O ponto de partida do autor é o esgotamento do modelo "substituição de importações", responsável pelo ciclo desenvolvimentista ocorrido do pós-guerra. Baseado na difusão da Segunda Revolução Industrial na periferia, o ciclo expansivo proporcionou o aumento progressivo dos salários reais e a expansão econômica e assistencial do Estado.
Entretanto, as transformações ocasionadas pela Terceira Revolução Industrial foram acompanhadas pelo crescente predomínio do capital financeiro internacional. Assim, as transformações tecnológicas processadas no coração da fábrica moderna golpearam duramente o sindicalismo e sua capacidade de pressionar por melhores salários; a volatilidade do capital financeiro, por sua vez, encarregou-se de enfraquecer o controle estatal sobre o mercado. Com isso, "o novo padrão de transformação capitalista desarticulou as premissas econômicas e políticas que haviam possibilitado o funcionamento de sistemas econômicos nacionais relativamente autônomos".
O desfecho desse ciclo histórico fez-se acompanhar da ofensiva contra o mundo do trabalho e da triunfante ideologia neoliberal. As relações entre centro e periferia alteraram-se de forma substantiva. Agora, assiste-se à desindustrialização e ao esvaziamento do sistema econômico nacional. A nova etapa interrompeu "o movimento de construção da nação". O autor não concorda com as opiniões apressadas que lamentam ou festejam o fim do Estado-nação. O Brasil não acabou: apenas atravessa mais uma fase crítica sob a ameaça da "reversão neocolonial" e crise da "identidade nacional".
Inquirindo sobre a perplexidade que vem bloqueando a imaginação de seu colegas economistas, o autor identifica nas modificações do ideário do Centro de Estudos Para a América Latina (Cepal) o componente ideológico responsável pela atual paralisia.

Capitalismo tardio
Desde 1949, Raul Prebich defendia a tese do desenvolvimento como um processo de ruptura com as forças externas e internas que se locupletavam com o subdesenvolvimento. Entretanto, uma situação conjuntural -o crescimento da economia brasileira durante os anos do "milagre"- inaugurou uma completa reviravolta teórica. Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto acreditaram que dependência e desenvolvimento poderiam caminhar juntos. Em registro diferente, surgiram as teorias sobre o "capitalismo tardio". Constatando o peso do parque industrial brasileiro e suas possibilidades expansivas, alguns autores concluíram que "o grande desafio das economias retardatárias é superar as descontinuidades técnicas e financeiras que obstaculizam o salto para a industrialização pesada".
Esta superação seria realizada pela união entre o capital nacional, o capital internacional e o Estado. Com isso, ocorreria um esvaziamento da "questão nacional", já que o eixo do desenvolvimento consistiria na constituição de um departamento de bens de produção, para o qual a fragilidade e inércia de nossa burguesia não é levada em conta e o capital estrangeiro é visto como aliado natural.

A OBRA
Entre a Nação e a Barbárie - Os Dilemas do Capitalismo Dependente Plínio de Arruda Sampaio Jr. Vozes (Tel. 0/xx/24/273-5112) 254 págs., R$19,00



A centralidade conferida à questão nacional levou Plínio de Arruda Sampaio Jr. a buscar referência para a compreensão da teoria do desenvolvimento em Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Celso Furtado. Representantes de uma mesma geração de intelectuais engajados no projeto de construir um destino para o nosso país, esses três clássicos do pensamento social brasileiro do século 20 mergulharam fundo na compreensão da determinação da herança colonial sobre os dilemas do desenvolvimento econômico.
Cada um desses autores mereceu um capítulo especial. Sampaio Jr., assim, faz uma reconstrução dos impasses do desenvolvimento mostrando como cada autor, a seu modo, chegou a diagnósticos semelhantes que apontavam os mesmos obstáculos internos e externos que reproduziam o subdesenvolvimento e a dependência. A reconstrução histórica levada a cabo pelos três autores seria então "o primeiro passo" para colocar as coisas no seu devido lugar e, assim, romper com a paralisia teórica e o imobilismo político.
A busca de referências teóricas sólidas para enfrentar os desafios do presente, tal como é proposto no livro, merece alguns comentários:
a) ninguém põe em dúvida a contribuição insuperável de Caio Prado, Florestan e Furtado. Mas permanece a questão: cada um deles trabalha com um referencial teórico diferente. Como organizar material tão díspar? Sampaio Jr. escolheu fazer um recorte buscando a complementaridade: as deficiências de um autor são completadas pela contribuição de outro. A saída é inteligente, mas eclética. Outro autor, mais afeito às sutilezas epistemológicas, poderia refazer o mesmo percurso com o intuito de forçar as diferenças e, assim, relativizar as convergências;
b) outro ponto delicado é a retomada de autores clássicos para a compreensão do presente. Evidentemente, o Brasil não mudou tanto a ponto de tornar envelhecidas as contribuições de seus mais destacados intérpretes. Mas as recentes metamorfoses do capitalismo criaram uma realidade nova, cujos desdobramentos estão além do horizonte das obras de Caio Prado, escritas antes da eclosão da Terceira Revolução Industrial e de seus efeitos devastadores nos países subdesenvolvidos. Para quem quer, como o nosso autor, ver a teoria iluminando a prática política, é preciso ir além do "primeiro passo";
c) por isso, já que falamos em política, a proposta de atualizar as contribuições de nossos clássicos cobra o seu preço: Sampaio Jr., ao reivindicar com argúcia a necessidade da ruptura com os entraves internos e externos ao desenvolvimento, pergunta-se, mas sem ainda ter a resposta, sobre quais seriam os novos atores sociais interessados em convergir no projeto de reconstrução nacional.
Esses comentários evidentemente em nada diminuem a importância da obra. Numa época de conformismo e perplexidade, um livro como esse -inteligente e ousado- é sempre bem-vindo.


Celso Frederico é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e autor, entre outros, de "O Jovem Marx" (Cortez).


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