São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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Interação espacial

JOÃO MASAO KAMITA

Até meados dos anos 50, o Rio de Janeiro foi o único foco efetivo de arquitetura moderna no país. O surgimento da Escola Paulista pôs outras alternativas em debate, contrabalançando a influência de Le Corbusier(1887-1965), que no Rio era hegemônica. Recentemente, vários livros vêm destacando membros já mortos daquela escola: Lina Bo (1914-92), Artigas (1915-85), O. Bratke (1907-97). É parte desse filão o livro sobre Fabio Penteado, arquiteto da segunda geração paulista, tal como Paulo Mendes da Rocha, ambos com obras em curso.
Na primeira parte, além de constarem informações biográficas sobre a formação (Universidade Mackenzie) e o início de carreira, confere-se relevo ao maior pluralismo do debate arquitetônico em São Paulo. Discutiam-se, nas duas principais faculdades paulistas (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e Mackenzie), F. L. Wright (1867-1959), a Bauhaus e outras variantes modernas. Nesse quadro, as obras do finlandês Alvar Aalto (1898-1976) e do carioca Afonso E. Reidy (1909-64) influenciaram Penteado.
A segunda parte do livro organiza os projetos, segundo programas (teatros, monumentos, planos urbanísticos, clubes etc.), desprezando a cronologia. Do conjunto ressalta que a idéia-chave, para Penteado, é a do lugar de uso democrático da arquitetura, aberta à participação; daí seu teor urbano fundamental.
Ao sobrepor a área de convivência à função, Penteado subordina todas as atividades à interação social como fim da arquitetura. Isso leva à tendência de dispor à volta de uma arena, praça, hall ou palco -com o papel de um "fórum"- as várias atividades de um edifício. Assim, nas plantas é nítida a preferência por sistemas radiais ou pela disposição em leque, tal como no Centro de Convivência Cultural de Campinas (1967-68). Neste, quatro blocos de arquibancadas, acolhendo, abaixo, funções diversas, dispõem-se ao redor de uma praça ou arena central, ordenando o espaço segundo raios convergentes e, ainda, em continuidade com o entorno.

A OBRA
Fábio Penteado: Ensaios de Arquitetura Mônica Junqueira Camargo e Paulo Markun Empresa das Artes (Tel. 0/xx/11/853-3599) 212 págs., R$ 50,00



No caso de edificações com exigências específicas ou um programa mais complexo (Clube Harmonia, 1964; Hospital-Escola Julio de Mesquita, 1968), a área de socialização requer grandes estruturas com vãos extensos e de alta expressividade plástica; para isso, nos edifícios mais altos um grande vazio central atravessa verticalmente todo o interior.
Nesses termos, diante da desordem urbana vigente, a obra de Penteado é, de fato, instigante e crítica, propondo uma noção ativa de espaço que estimula a interação social. Porém, como projeto editorial, o livro não acolhe a idéia provocativa de arquitetura do autor em pauta e se limita a descrever os fatos e apresentar os projetos, como se a descrição neutra ou objetiva propiciasse a melhor avaliação. Silencia-se, assim, a fala das obras. E, sob tal mudez, algumas das questões postas pelo arquiteto perdem relevo. Como situar a influência de Reidy e de Aalto na formação desse arquiteto? Como o conceito de "praça", tão caro à "escola paulista", alcança no caso uma singularidade poética?
Do ponto de vista visual, o livro tampouco é satisfatório. Há excesso de recursos gráficos na representação dos projetos: desenhos técnicos, maquetes, imagens digitais, fotos e, principalmente, uma variedade de croquis que turvam a compreensão. O excesso de vistas em perspectiva (o mesmo ângulo é apresentado via maquete, via computador e via croqui) toma o lugar da planta-baixa, que é o meio da projeção sintética do espaço. Reduzido esse instrumento a um tamanho minúsculo, não se faz a síntese entre as vistas e a projeção em planta; logo, não se lêem os projetos. Assim, o mérito de difundir publicamente uma arquitetura relevante sucumbe ante uma certa concepção da informação como algo pragmático e da imagem como algo decorativo.


João Masao Kamita é arquiteto e professor de história social da cultura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


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