São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Uma galeria de arte molecular

LUIZ OTÁVIO F. AMARAL

"Odeio Química" não é apenas o título de um sucesso da música popular brasileira; é a reação de muitos interlocutores quando conto que sou professor de química. As justificativas para a aversão mencionam aulas incompreensíveis, exigências de memorizar nomes, fórmulas, infindáveis classificações; tudo sem sentido para as vítimas.
Essa experiência é conhecida dos químicos. O adjetivo "químico" se tornou um sinônimo de "perigoso", "poluente", "nocivo". No entanto nós químicos falamos da química como uma "ciência central". Na verdade, ao atribuirmos uma natureza "central" à química, queremos enfatizar que ela contribui fundamentalmente para o entendimento do comportamento de materiais como ligas metálicas, cerâmicas, polímeros, vidros etc. e para o projeto de outros materiais dessas classes, para que tenham propriedades planejadas de antemão. Uma ciência comprometida com o entendimento de sistemas complexos como o meio ambiente ou organismos vivos.
Finalmente foi lançado no mercado brasileiro um livro que é uma preciosa "segunda oportunidade" para quem odiou a química quando ela lhe foi ensinada, mas não perdeu a esperança de que algum dia pudesse compreendê-la. Químico teórico da Universidade de Oxford, Peter Atkins tornou-se conhecido pela produção de diversos livros didáticos e de divulgação de química. Em minha opinião, "Moléculas" é a sua obra-prima. Obras de divulgação de química são raras. E raríssimas as que passam pelo duplo crivo de não distorcer o conhecimento científico e não sobrecarregar com pré-requisitos que dificultam a leitura e só fazem reforçar a impressão de que o conhecimento químico é privilégio de uma casta de iluminados.
Como Atkins realiza proeza tão difícil? Uma introdução curta apresenta as poucas noções essenciais à leitura proveitosa do resto da obra. Ele se restringe às situações mais comuns, seleciona menos de uma dezena de elementos entre a centena que a natureza ou o engenho da ciência disponibilizam, apenas menciona que há uma enorme variedade de compostos não-moleculares e se concentra em moléculas, escolhendo principalmente exemplos da chamada "química orgânica" que contêm átomos de carbono ligados a outros átomos de carbono, além de átomos de hidrogênio e, frequentemente, uns outros poucos elementos.
Expostos esses fundamentos, Atkins nos convida a acompanhá-lo por um passeio pelo mundo molecular. Isso é, ao mundo comum, dos materiais naturais ou sintéticos. Há milhões de moléculas diferentes descritas nas revistas de química; muitas dezenas de milhares de substâncias são suficientemente importantes para merecerem produção industrial e podem ser adquiridas, o que significa disponibilizar em cada recipiente quantidades inimaginavelmente grandes de um certo tipo de molécula.
O autor limita-se a 160 moléculas, uma pequena coleção de objetos de arte molecular organizados tematicamente.
Visitamos as substâncias comuns do ar limpo, da água, os poluentes atmosféricos mais comuns; em outro capítulo, combustíveis, gorduras e sabões; a galeria dos polímeros, em que se admiram a variedade e a elegância do polietileno, do PVC, da borracha, dos nossos cabelos etc.
Seguem-se as visitas ao mundo das moléculas que dão sabor e aroma. Vem depois o mundo da cor, onde aprendemos sobre as origens químicas das cores de folhas, flamingos, vinho, cicatrizes e bronzeado e admiramos umas poucas das moléculas que nos permitem apreciar a cor. Na sala final, aparecem analgésicos, estimulantes, uma pequena e representativa "galeria de horrores químicos": o gás mostarda, a talidomida. Antes da saída, passamos pela gloriosa galeria da sexualidade, na qual se exibem hormônios sexuais e anticoncepcionais. Tudo isso feito sem reducionismo: a química dá chaves para uma nova forma de compreender o mundo e de admirá-lo; não pretende ser a única coleção daquelas chaves.
Um aspecto essencial para que o livro seja eficaz no seu propósito é o uso de numerosas ilustrações. Há representações estruturais das moléculas, as "plantas da arquitetura química", que o leitor aprendeu a ler na introdução. Espetaculares fotografias, coloridas em sua maioria, ao lado de cada "peça da exposição" são de grande efetividade.
O oxigênio, por exemplo, merece duas fotos. Uma delas nos mostra um grupo de simpáticos porquinhos de focinhos rosados. A legenda e o texto sobre a substância correspondente indicam que a escolha de modo algum foi arbitrária. "Ácido sulfúrico" brinda-nos com a foto de invertebrados marinhos que usam a substância como arma para sua defesa. O texto e as legendas prendem o leitor, frequentemente, pelo inesperado e pelo humor. Na exibição da uréia, por exemplo, aprende-se que, enquanto nós excretamos urina, certos pássaros usam a sua na cabeça para formar belos penachos coloridos.



Moléculas
Peter W. Atkins
Tradução: Paulo Sérgio Santos e Fernando Galembeck
Edusp (Tel. 0/xx/11/3818-4150)
208 págs., R$ 42,00



Luiz Otávio F. Amaral é professor de química na Universidade Federal de Minas Gerais.

Texto Anterior: Henrique Fleming: O moleque curioso
Próximo Texto: Jacqueline Hermann: O purgatório da metrópole
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.