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Ensaios analisam relações do design com a criação e o mercado
A profissão do designer
ALEXANDRE WOLLNER
É impressionante a recente tendência
em publicar livros sobre design no Brasil.
É um sinal positivo, especialmente tratando-se de área profissional ainda muito
pouco divulgada. São livros que procuram definir o significado, a história e o
comportamento do design em nosso
contexto cultural, social e econômico. No
entanto é preocupante o fato de alguns
desses livros serem escritos não por designers atuantes, mas por acadêmicos envolvidos em processos de doutoramento,
muitas vezes tendo por objetivo a escalada de posição em alguma das várias escolas superiores de design existentes no
país.
A autora do livro "O Efeito Multiplicador do Design" é uma das profissionais
mais ativas do Rio de Janeiro. Além de assinar vários projetos gráficos, particularmente dentro do campo cultural (cartazes de cinema, de exposições e livros), escreve periodicamente artigos sobre o design em vários jornais do eixo São Paulo/
Rio. O livro de Ana Luisa Escorel reúne
artigos publicados e dedicados aos aspectos comportamentais e éticos da profissão, nos quais também procura defini-la
tecnicamente.
O design e o mercado
Inicialmente, noto na autora grande
preocupação com a confusão entre o design e a prática do "merchandising", com
o "pouco caso" dado ao designer no mercado e com a expectativa do empresário
que aguarda uma solução semelhante ao
modelo vencedor em outras culturas e
mercados. Estou de acordo com Ana Luisa Escorel, mas a realidade é que as inúmeras escolas de design no Brasil não
treinam adequadamente os futuros profissionais, capacitando-os para uma argumentação de igual para igual com os
executivos. Os empresários, por sua vez,
ligados sobretudo aos fatores econômicos, também não estão preparados para
entender novas posturas mercadológicas, quanto mais financiá-las. Assim, o
designer deve estar firmemente preparado para poder argumentar com o empresário, esquecer sua postura de "artista esteta", analisar o comportamento dos
concorrentes nacionais e internacionais e
convencê-lo da necessidade de uma nova
postura, de um novo produto ou o do uso
de novos códigos visuais.
São curiosas as argumentações da autora com relação ao estético e à cultura de
raízes nacionais. A identidade nacional.
Esse é um problema delicado. Meu ponto
de vista é quase radical. Posso mudar de
opinião, mas acho que já perdemos o
bonde da história, principalmente pela
pouca difusão de nossa cultura, não só
nas principais cidades do Brasil, como
também em relação à sua divulgação no
exterior.
As recentes comemorações dos 500
anos do Descobrimento e as exposições
cosméticas feitas no Brasil e no exterior
foram extremamente ridículas. Sempre
fomos um povo invadido por outras culturas, nós as assimilamos facilmente e as
difundimos como parte de nossa cultura.
Novos talentos
Algumas pouquíssimas manifestações
culturais, como capas de disco, músicas,
cartazes culturais isolados, capas de livros-projeto que não são exatamente design expressam signos culturais nacionais, ainda que acanhadamente. Isso
acontece, embora raramente.
Não existe apoio financeiro para atividades culturais, o que afasta profissionais
experientes e não permite que os jovens
sejam aproveitados. Os novos talentos, se
bem preparados, seriam exatamente o
canal para a adequação dos signos nacionais em projetos culturais, laboratórios
de novas linguagens visuais. Como antigamente, quando surgiram grandes designers nacionais. O livro discorre de maneira exaustiva sobre esses itens, porém o
que me chama mais a atenção são os
exemplos gráficos apresentados e não comentados. Qual o critério de escolha desses itens? Alguns são assinados pela autora ou pelo seu escritório de design. E é
justamente nesses exemplos que percebo
certas contradições nas argumentações
de Ana Luisa Escorel.
Façamos uma simples comparação entre os livros desenhados por Victor Burton e Aluísio Magalhães. Em 1958, Aluísio
desenhou alguns livros a título de pesquisa do objeto-livro como arte, muito bem
desenhados e impressos no ateliê "O Gráfico Amador", de um grupo de intelectuais pernambucanos e de Gastão de Holanda (excelente gráfico). Não eram livros de produção industrial, com compromisso de caráter econômico. Tinham
maior liberdade em desenhar não só a capa, mas todo o objeto-livro, que se destinava a uma tiragem e público limitados.
Burton, já nos anos 90, limita-se a ilustrar capas, brilhantemente eficazes, preocupando-se com o ponto de venda
("merchandising"), definindo paralelamente um comportamento de identidade visual da editora. Perfeito. Livros de
produção industrial, ótimos como ilustração, "merchandising", ponto de venda, mas, como defende corretamente
Ana Luisa Escorel, onde se manifesta o
design? Design significa planejar todo o
produto industrial (livro), como ela mesma descreve no artigo "Identidade e Legibilidade no Produto Gráfico", pois tal é o
objetivo inerente a todo bom projeto.
Então, por que dar ênfase a uma capa
bem ilustrada? Eu não sou contra a ilustração usada em capa de livros nem contra o seu "merchandising", só não quero
confundi-los com o processo de design.
Tenho certeza que Ana Luisa Escorel
também não quer.
Ao desenhar um produto funcional de
tiragem limitada para determinado tipo
de consumidor, Aluísio Magalhães trata
o livro artesanalmente, tendo maior liberdade na produção final do livro, na escolha do formato, capa, tipos de letras
usadas, cores, número de páginas, acabamento etc. Para Burton essa liberdade
não é permitida, talvez o seja apenas em
casos excepcionais.
O mercado (público e preço) para o
qual se destina, a viabilidade técnica e
econômica são determinantes na produção do livro. Embora o designer possa resolver todos esses problemas mediante o
projeto de design, o editor não acha essa
necessidade relevante. Aí então, fora a
ilustração da capa, os livros obedecem a
uma mesmice impressionante.
O designer não escolhe campo específico para atuar. Ele responde às necessidades do mercado. Um profissional de renome não pode nem será requisitado para resolver problemas de capas de disco,
marquinhas para lojas de shopping center, restaurantes -todas de duração efêmera. Por serem efêmeras, o investimento não pode ser alto. Já o jovem designer
encontra nessas áreas um campo de atuação em que vai se exercitar e evoluir profissionalmente.
Quando o novato se encontra nessa situação, ele acredita em seu poder criativo, pois as exigências técnicas quase não
existem; mas, quando as coisas começam
a se complicar -como um projeto de sinalização de shopping center, por exemplo-, então haverá necessidade de adquirir conhecimentos tecnológicos. O
bom designer é aquele que equilibra o seu
conhecimento criativo com o conhecimento técnico. Esse assunto é bastante
discutido no capítulo "Especialização da
Especialização", embora a autora ilustre,
mas não explique, os projetos apresentados. Todo projeto criativo necessita,
quando publicado em livro, uma explicação conceitual de suas intenções; aí o designer manifesta a sua criatividade com o
uso da palavra, tecnologia que a autora
muito bem domina.
O tema "Cruzadas da Desnacionalização", constante em quase todo o livro, enfoca a presença de empresas multinacionais de design atuando no país sem a colaboração de um profissional brasileiro
para pautar a realidade de nossa cultura e
tecnologia. É assim extremamente válido
e atual, e acho que devemos provocar um
debate envolvendo todos os profissionais
para uma conscientização de nosso procedimento como designers diante dessa
realidade. Mas não é só um problema
nosso. Recentemente um escritório inglês, Wolf Ollins, sugeriu ao governo alemão mudar as cores de sua bandeira...
Parece-me extremamente difícil escrever sobre design de maneira clara e objetiva; entretanto o livro de Ana Luisa Escorel é um bom começo para debatermos
positivamente em grau mais alto a evolução do design em nosso país.
O Efeito Multiplicador
do Design
Ana Luisa Escorel
Editora Senac (Tel. 0/xx/11/8848122)
116 págs., R$ 25,00
Alexandre Wollner é designer (wollner designo).
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