São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2000


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Ensaios analisam relações do design com a criação e o mercado
A profissão do designer

ALEXANDRE WOLLNER

É impressionante a recente tendência em publicar livros sobre design no Brasil. É um sinal positivo, especialmente tratando-se de área profissional ainda muito pouco divulgada. São livros que procuram definir o significado, a história e o comportamento do design em nosso contexto cultural, social e econômico. No entanto é preocupante o fato de alguns desses livros serem escritos não por designers atuantes, mas por acadêmicos envolvidos em processos de doutoramento, muitas vezes tendo por objetivo a escalada de posição em alguma das várias escolas superiores de design existentes no país.
A autora do livro "O Efeito Multiplicador do Design" é uma das profissionais mais ativas do Rio de Janeiro. Além de assinar vários projetos gráficos, particularmente dentro do campo cultural (cartazes de cinema, de exposições e livros), escreve periodicamente artigos sobre o design em vários jornais do eixo São Paulo/ Rio. O livro de Ana Luisa Escorel reúne artigos publicados e dedicados aos aspectos comportamentais e éticos da profissão, nos quais também procura defini-la tecnicamente.

O design e o mercado
Inicialmente, noto na autora grande preocupação com a confusão entre o design e a prática do "merchandising", com o "pouco caso" dado ao designer no mercado e com a expectativa do empresário que aguarda uma solução semelhante ao modelo vencedor em outras culturas e mercados. Estou de acordo com Ana Luisa Escorel, mas a realidade é que as inúmeras escolas de design no Brasil não treinam adequadamente os futuros profissionais, capacitando-os para uma argumentação de igual para igual com os executivos. Os empresários, por sua vez, ligados sobretudo aos fatores econômicos, também não estão preparados para entender novas posturas mercadológicas, quanto mais financiá-las. Assim, o designer deve estar firmemente preparado para poder argumentar com o empresário, esquecer sua postura de "artista esteta", analisar o comportamento dos concorrentes nacionais e internacionais e convencê-lo da necessidade de uma nova postura, de um novo produto ou o do uso de novos códigos visuais.
São curiosas as argumentações da autora com relação ao estético e à cultura de raízes nacionais. A identidade nacional. Esse é um problema delicado. Meu ponto de vista é quase radical. Posso mudar de opinião, mas acho que já perdemos o bonde da história, principalmente pela pouca difusão de nossa cultura, não só nas principais cidades do Brasil, como também em relação à sua divulgação no exterior.
As recentes comemorações dos 500 anos do Descobrimento e as exposições cosméticas feitas no Brasil e no exterior foram extremamente ridículas. Sempre fomos um povo invadido por outras culturas, nós as assimilamos facilmente e as difundimos como parte de nossa cultura.

Novos talentos
Algumas pouquíssimas manifestações culturais, como capas de disco, músicas, cartazes culturais isolados, capas de livros-projeto que não são exatamente design expressam signos culturais nacionais, ainda que acanhadamente. Isso acontece, embora raramente.
Não existe apoio financeiro para atividades culturais, o que afasta profissionais experientes e não permite que os jovens sejam aproveitados. Os novos talentos, se bem preparados, seriam exatamente o canal para a adequação dos signos nacionais em projetos culturais, laboratórios de novas linguagens visuais. Como antigamente, quando surgiram grandes designers nacionais. O livro discorre de maneira exaustiva sobre esses itens, porém o que me chama mais a atenção são os exemplos gráficos apresentados e não comentados. Qual o critério de escolha desses itens? Alguns são assinados pela autora ou pelo seu escritório de design. E é justamente nesses exemplos que percebo certas contradições nas argumentações de Ana Luisa Escorel.
Façamos uma simples comparação entre os livros desenhados por Victor Burton e Aluísio Magalhães. Em 1958, Aluísio desenhou alguns livros a título de pesquisa do objeto-livro como arte, muito bem desenhados e impressos no ateliê "O Gráfico Amador", de um grupo de intelectuais pernambucanos e de Gastão de Holanda (excelente gráfico). Não eram livros de produção industrial, com compromisso de caráter econômico. Tinham maior liberdade em desenhar não só a capa, mas todo o objeto-livro, que se destinava a uma tiragem e público limitados.
Burton, já nos anos 90, limita-se a ilustrar capas, brilhantemente eficazes, preocupando-se com o ponto de venda ("merchandising"), definindo paralelamente um comportamento de identidade visual da editora. Perfeito. Livros de produção industrial, ótimos como ilustração, "merchandising", ponto de venda, mas, como defende corretamente Ana Luisa Escorel, onde se manifesta o design? Design significa planejar todo o produto industrial (livro), como ela mesma descreve no artigo "Identidade e Legibilidade no Produto Gráfico", pois tal é o objetivo inerente a todo bom projeto.
Então, por que dar ênfase a uma capa bem ilustrada? Eu não sou contra a ilustração usada em capa de livros nem contra o seu "merchandising", só não quero confundi-los com o processo de design. Tenho certeza que Ana Luisa Escorel também não quer.
Ao desenhar um produto funcional de tiragem limitada para determinado tipo de consumidor, Aluísio Magalhães trata o livro artesanalmente, tendo maior liberdade na produção final do livro, na escolha do formato, capa, tipos de letras usadas, cores, número de páginas, acabamento etc. Para Burton essa liberdade não é permitida, talvez o seja apenas em casos excepcionais.
O mercado (público e preço) para o qual se destina, a viabilidade técnica e econômica são determinantes na produção do livro. Embora o designer possa resolver todos esses problemas mediante o projeto de design, o editor não acha essa necessidade relevante. Aí então, fora a ilustração da capa, os livros obedecem a uma mesmice impressionante.
O designer não escolhe campo específico para atuar. Ele responde às necessidades do mercado. Um profissional de renome não pode nem será requisitado para resolver problemas de capas de disco, marquinhas para lojas de shopping center, restaurantes -todas de duração efêmera. Por serem efêmeras, o investimento não pode ser alto. Já o jovem designer encontra nessas áreas um campo de atuação em que vai se exercitar e evoluir profissionalmente.
Quando o novato se encontra nessa situação, ele acredita em seu poder criativo, pois as exigências técnicas quase não existem; mas, quando as coisas começam a se complicar -como um projeto de sinalização de shopping center, por exemplo-, então haverá necessidade de adquirir conhecimentos tecnológicos. O bom designer é aquele que equilibra o seu conhecimento criativo com o conhecimento técnico. Esse assunto é bastante discutido no capítulo "Especialização da Especialização", embora a autora ilustre, mas não explique, os projetos apresentados. Todo projeto criativo necessita, quando publicado em livro, uma explicação conceitual de suas intenções; aí o designer manifesta a sua criatividade com o uso da palavra, tecnologia que a autora muito bem domina.
O tema "Cruzadas da Desnacionalização", constante em quase todo o livro, enfoca a presença de empresas multinacionais de design atuando no país sem a colaboração de um profissional brasileiro para pautar a realidade de nossa cultura e tecnologia. É assim extremamente válido e atual, e acho que devemos provocar um debate envolvendo todos os profissionais para uma conscientização de nosso procedimento como designers diante dessa realidade. Mas não é só um problema nosso. Recentemente um escritório inglês, Wolf Ollins, sugeriu ao governo alemão mudar as cores de sua bandeira...
Parece-me extremamente difícil escrever sobre design de maneira clara e objetiva; entretanto o livro de Ana Luisa Escorel é um bom começo para debatermos positivamente em grau mais alto a evolução do design em nosso país.



O Efeito Multiplicador do Design
Ana Luisa Escorel
Editora Senac (Tel. 0/xx/11/8848122)
116 págs., R$ 25,00



Alexandre Wollner é designer (wollner designo).

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