São Paulo, sábado, 13 de julho de 2002 |
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Sobre o Modernismo
Manuel Bandeira
Trata-se de um trabalho ousado em teoria literária, aproximando biografia e obra e preenchendo com a explicação psicanalítica o espaço de interseção desses dois campos, visto com reticências ou cuidado pela crítica contemporânea. A autora percorre a obra do poeta numa "dinâmica psicopoética", apoiando-se substancialmente em Freud e Lacan e amparando-se nos
estudos estilísticos de base spitzeriana. Assim instrumentalizada, desenvolve análise do tema central, a ausência, observada
em "topoi" recorrentes na poesia de Bandeira, a infância e a
morte, a distância e o erotismo. O principal encanto do trabalho
localiza-se na primeira parte, no entrelaçamento dos "topoi"
centrais. Aí se aborda a relação entre a infância e suas referências concretas -a apontar a ausência de um mundo distante só
recuperado na poesia- e a morte, fantasma a rondar o poeta
que, tuberculoso desde muito cedo, sempre esperou por ela que,
no entanto, só chegou quando tinha 82 anos.
Obra dotada de alto nível de elaboração e agudeza de análises e
que contribui para enriquecer e avançar os pouquíssimos estudos existentes sobre a "batata quente" que é "Serafim Ponte
Grande" para a crítica brasileira, em especial a acadêmica. O autor transita com liberdade e domínio por entre a teoria e a fortuna crítica oswaldiana, utilizando-as de maneira a ampliar a
compreensão da narrativa, sem forçar esta a adequar-se àquelas. A obra do escritor modernista é "decodificada" a partir de
um outro padrão de legibilidade, diferente do realista, ao qual
mesmo o leitor contemporâneo se habituou. Decisiva para a interpretação do romance é a contextualização de "Serafim" em
relação à antropofagia e desta no interior da história, o que ajuda a esclarecer aspectos fundamentais da obra e do pensamento
político e estético de Oswald.
Este livro também busca na psicanálise os recursos para a análise dos temas recorrentes no conjunto destas narrativas de Guimarães Rosa, em particular a morte e a alteridade. Concentra o
estudo no narrador e no "outro", com quem este se relaciona,
presente na narrativa como interlocutor, às vezes destacando
apenas sua contraparte cultural, outras o duplo psíquico. Entretanto, na heterogeneidade da obra em foco (reunida postumamente por Paulo Rónai), nem sempre os dois temas privilegiados oferecem o mesmo potencial para a investigação. Há momentos em que a abordagem analítico-descritiva do percurso se
desloca, com prejuízo para um dos termos. O conceito freudiano de "estranho", principal foco teórico, é bem aproveitado nas
narrativas caracterizadas pela contaminação inquietante do humano por entes de mundo diverso, como em "Meu Tio Iauaretê" e "Páramo". Apesar da irregularidade na abordagem dos
contos, trata-se de contribuição inegável para o estudo do livro.
De tese elaborada na Itália -onde a autora é professora-, esperava-se a contribuição da teoria crítica local e dos especialistas italianos em literatura brasileira, com quem a autora conviveu. Infelizmente ela se baseou apenas na historiografia brasileira mais conhecida e em estudos históricos consagrados sobre o
modernismo, mantendo-se numa superfície já palmilhada. Discute a poesia indianista romântica e três poetas modernistas
-Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo e Raul Bopp- que se
voltaram para o passado histórico ou mítico do Brasil. O trabalho ressente-se da ausência de uma discussão crítica das noções
de mito, história e literatura. Tão-só a identificação de elementos dessas instâncias não é capaz de conferir estatuto literário às
obras. Perde-se também o vínculo entre os dois períodos que estuda, já que a história desaparece no trabalho, relegada a uma
presença episódica e temática. é professora de metodologia do ensino de língua portuguesa na USP. Texto Anterior: Imitação e emulação Próximo Texto: Dramaturgia americana Índice |
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