|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Chinesices do Brasil
JANICE THEODORO
A publicação deste livro se dá
em momento significativo da história do império português. Em
dezembro de 1999, Macau, cidade
portuguesa estabelecida no século
16 em território chinês, retorna à
China e põe fim a uma longa história marcada pelo domínio português no Ocidente e Oriente.
História em que territórios de um
e de outro lado do mundo (Brasil
e Macau, por exemplo) foram,
durante séculos, considerados
partes de um mesmo e vasto império ultramarino. O que teríamos em comum? O que aproximou o extremo Ocidente do extremo Oriente?
Embora o comércio entre as colônias portuguesas não fosse permitido na época colonial, uma série de vestígios encontrados no
Brasil sugeriu a presença de chineses em nossas terras. Seguindo
as rotas do comércio colonial, os
estudos históricos não privilegiaram esse campo de pesquisa, embora vários historiadores acusassem a presença de "chinesices",
especialmente na Bahia e nas cidades mineiras.
Ao analisar a presença da China
no Brasil entre os séculos 16 e 19,
Teixeira Leite observa as mudanças no imaginário brasileiro. No
século 19, passamos a incorporar
modelos franceses e ingleses, fazendo um grande esforço para
nos distanciar do passado índio,
negro e amarelo. O esforço é tão
grande que ainda hoje temos dificuldade em estudar as relações
entre as antigas colônias. Talvez
porque estejamos ainda seduzidos pelo brilho das grandes metrópoles envolvidas com os projetos coloniais e tenhamos dificuldade em constituir um olhar perspicaz sobre os nossos vizinhos
mais pobres em termos de renda
nacional. Teixeira Leite rema contra essa maré, aprofundando os
vínculos possíveis de serem encontrados entre antigas colônias.
A obra está dividida em quatro
partes e um apêndice, no qual
consta um levantamento detalhado dos chineses que entraram no
Brasil entre 1814-1842. Na primeira parte, o autor recolhe uma série
de informações sobre usos e costumes, fazendo perceber proximidades com a cultura chinesa.
Casamentos arranjados, segregação de mulheres, relacionamento
cerimonioso entre marido e mulher, ou mesmo o hábito existente
em Salvador "de deixar crescer a
um comprimento repulsivo a
unha do polegar ou do indicador"
("na China este hábito era próprio
de pessoas de elevada condição
social, que podiam se dar ao luxo
de não fazer absolutamente nada
com as mãos").
Fogos de artifício
Quanto ao "riquixá", carrinho
movido pela força humana, Teixeira Leite compara com o "palanquim" utilizado no Brasil como meio de transporte. Os fogos
de artifício surgiram na China
com a descoberta da pólvora no
período Tang (1004-1006), foram
levados para a Europa no século
16 e se tornaram no Brasil de uso
frequente, apesar das proibições.
Os leques, de uso comum na China, são utilizados tanto por homens como por mulheres.
Na segunda parte, o autor centra a atenção no comércio, agricultura e imigração.
O monjolo, utilizado para descascar arroz, milho ou café, foi
trazido para o Brasil pelos portugueses da China, assim como o arroz, a seda e o chá, este último cultivado por chineses que, de acordo com Oliveira Lima, teriam sido
recrutados entre moradores de
Cantão. Imagens de chineses no
Brasil foram pintadas por Thomas Ender (1817) e Rugendas que,
ao pintar uma plantação de chá
no Jardim Botânico, desenha alguns escravos negros trabalhando
sob a orientação de um chinês.
Embora com a abolição se tenha
pensado em introduzir no Brasil
um número grande de chineses, o
autor nos informa que desembarcaram de fato, incluindo os plantadores de chá de D. João, não
mais de 3.000 pessoas, concentradas especialmente no Rio.
A China no Brasil - Influências, Marcas, Ecos e Sobrevivências
Chinesas na Sociedade e na Arte Brasileiras
José Roberto Teixeira Leite
Ed. da Unicamp (Tel. 0/xx/19/788-1097)
288 págs., R$ 41,60
|
A terceira parte trata de arquitetura e paisagística. Teixeira Leite
nos mostra o que significa uma
arquitetura voltada para "adjetivar a beleza do sítio ao qual se subordina". Os materiais utilizados
são em geral leves e perecíveis,
embora a pedra fosse abundante.
O resultado é que poucos edifícios
sobreviveram, sendo necessário,
para conhecer a arquitetura chinesa, buscar seus elementos básicos no Japão, onde o cuidado com
a memória foi de outra natureza.
Se a mudança é um elemento
constitutivo da nossa cultura, o
mesmo não ocorre na China, onde a repetição, a imitação, a paródia e o pastiche são elementos básicos, assim como a idéia do efêmero para a arquitetura.
Em seguida, o livro reflete sobre
escultura, pintura e artes decorativas. Teixeira Leite analisa as afinidades entre Guanyin e Maria a
partir de um grande número de
estatuetas em porcelana e marfim. Essas imagens foram muito
disseminadas na Europa católica,
especialmente na Espanha, Filipinas e México. Nas coleções brasileiras, algumas imagens da Virgem com o menino provavelmente são cópias, pois não disfarçam
os traços extremo-orientais. Altares com formas chinesas em Pernambuco indicam, por via indireta, a influência de entalhadores
portugueses de Braga, marcados
pela arte do extremo Oriente.
Quanto à pintura colonial brasileira, Teixeira Leite informa que,
no século 17, observamos a influência chinesa na Bahia, Minas
Gerais e São Paulo. No caso de
Minas trata-se de arte achinesada.
As "chinoiseries" podem ser encontradas também em mobiliários e oratórios. No teto da sacristia da igrejinha de Nossa Senhora
do Rosário, no Embu, também foram pintadas "chinoiseries".
Quanto aos azulejos com motivos
chineses, datam do século 17-18, e
os primeiros são holandeses, não
portugueses. No que diz respeito
à porcelana, trata-se de produto
que marcou presença em todo o
período colonial no século 19.
Móveis chineses lacados também chegaram ao Brasil, sendo
possível encontrar menções nos
inventários setecentistas e posteriores. Quanto aos tecidos asiáticos, o gosto veio a partir de Portugal e difundiu-se pelo Brasil na
forma de mantilhas, xales de seda,
lenços bordados, colchas e esteiras que podiam funcionar como
cortinas para as janelas.
O livro assinala o início de um
caminho pioneiro, plenamente
justificável em tempos de globalização e capaz de aproximar dois
extremos: Oriente e Ocidente.
Janice Theodoro é professora de história na
USP.
Texto Anterior: Celso Furtado: O futuro da economia Próximo Texto: Yanet Aguilera: O cinema no espelho Índice
|