São Paulo, Sábado, 13 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Leôncio Martins Rodrigues estuda as causas da crise do sindicalismo
O declínio dos sindicatos

MARIA HERMÍNIA T. DE ALMEIDA

Durante pouco mais de um século, os sindicatos foram protagonistas destacados da vida das sociedades ocidentais. Indissociáveis das principais transformações econômicas e políticas por que passou o capitalismo em toda parte, com elas foram também mudando a amplitude de suas bases e características sociais de seus filiados, bem como as formas assumidas por sua organização, as ideologias e estratégias de ação adotadas.
Os sindicatos constituíram a pedra de toque dos sistemas de relações trabalhistas que, sob as regras e desenhos os mais diversos, institucionalizaram mecanismos de administração dos conflitos entre empresas e trabalhadores, inerentes à organização econômica fundada na propriedade privada e no trabalho assalariado. Em graus diversos, conforme o país, foram uma das forças propulsoras da democratização do sistema político e da implantação de sistemas sofisticados de proteção social, nos EUA e na Europa Ocidental.

A crise dos sindicatos
Entretanto, exatamente no momento em que, "urbi et orbe", o capitalismo se afirma como modalidade hegemônica de organização da economia, enquanto a democracia representativa se expande, como prática ou como meta, os sindicatos parecem estar em profunda crise.
Para entender sua natureza e extensão, bem como suas causas prováveis, Leôncio Martins Rodrigues foi estudar o que está se passando ali onde o sindicalismo nasceu e chegou a ser uma força poderosa: os países capitalistas democráticos de ambos os lados do Atlântico Norte. O resultado dessa investigação é "Destino do Sindicalismo", 12º livro do autor e, como os anteriores, fadado a se transformar em leitura obrigatória para especialistas e interessados em questões sindicais.
O declínio do poder dos sindicatos, longe de um percalço conjuntural, parece uma tendência inexorável -eis a tese central do livro. Ela se apóia em formidável compilação de dados estatísticos e de estudos acadêmicos e de agências internacionais. Numa área da pesquisa sociológica em que as inclinações políticas e as preferências doutrinárias com frequência conduzem as análises e lhes enviesam as conclusões, Leôncio Martins Rodrigues submeteu suas hipóteses e indagações à rigorosa disciplina dos fatos e números pesquisados à exaustão.
O livro se divide em três partes. A primeira examina dois indicadores do declínio do poder das organizações de defesa dos interesses assalariados: a dessindicalização e a diminuição da atividade grevista. A segunda resume o extenso debate sobre os determinantes desse fenômeno. E a terceira parte trata das respostas que as associações sindicais vêm dando às dificuldades por elas enfrentadas.
A tendência à redução da densidade sindical -a proporção de sindicalizados numa dada população assalariada- é apresentada como principal indicador da erosão do poder sindical. Pois este se funda, em grande medida, na capacidade de arregimentação e mobilização dos trabalhadores organizados. A dessindicalização, mostra o autor, tornou-se um fenômeno comum a quase todos os países capitalistas avançados, na década dos 80. Entre 1980 e 1989, as taxas médias de sindicalização caíram em todo o mundo desenvolvido, à exceção da Suécia. Naturalmente, o encolhimento das bases sindicais tem significados distintos e atinge de forma diferenciada o sindicalismo em cada nação. Nos países do norte da Europa, há décadas sob predomínio social-democrata, a densidade sindical continua muito elevada. Já nos Estados Unidos e na França, as taxas de sindicalização são hoje inferiores a 20%.

Operação tartaruga
A queda da proporção de sindicalizados só não foi maior porque, enquanto os assalariados do setor privado debandavam das organizações sindicais, o inverso acontecia com os empregados do setor público. Fenômeno bastante conhecido no Brasil, a expansão do sindicalismo entre os servidores do Estado, em todas as suas esferas, não é, pois, uma idiossincrasia nacional. Representa, antes, uma tendência mais geral, que o estudo de Martins Rodrigues identifica e documenta.
Não se trata de mudança trivial, mas de alteração profunda do lastro social do sindicalismo, com importantes consequências sobre seus rumos. Se isso é verdade, não é menos certo, penso eu, que a organização dos empregados públicos proporciona novos recursos de poder de que não dispunham os assalariados de empresas privadas. Para atingir o governo, os sindicatos operários tinham que transformar sua mobilização em rebelião. Já os empregados do Estado podem travar o funcionamento da administração e dos serviços públicos com uma pacífica "operação tartaruga". É bem verdade, como observa Martins Rodrigues, que esse poder tem limites estritos. Não só depende do alcance das atribuições do Estado, hoje em redefinição para menos, como da duvidosa possibilidade de angariar simpatias da população que, com frequência, é diretamente atingida pelos movimentos de empregados públicos.
A queda das taxas de sindicalização parece se fazer acompanhar de uma redução dos conflitos trabalhistas que desembocam em greves, assinala o autor. Essa é a tendência dominante na maioria dos países, embora não ocorra em todos ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Entretanto, as séries apresentadas, que se iniciam nos anos 60, não oferecem base segura para a análise prospectiva.
Os dados sobre jornadas perdidas por mil trabalhadores -a melhor medida da incidência de greves- podem dar razão tanto à hipótese da tendência ao declínio quanto à da existência de ciclos de movimentação grevista de maior ou menor intensidade. Por outro lado, se é possível associar redução da densidade associativa e debilitação dos sindicatos, a diminuição dos conflitos grevistas nem sempre é sintoma de fraqueza.
É bem sabido que as estratégias de pacto social, típicas do neocorporativismo social-democrata, basearam-se na moderação das paralisações em troca de benefícios sociais e aumento do poder das organizações sindicais, especialmente daquelas que se situavam na cúpula dos sistemas de representação de interesses. Por isso mesmo, as conclusões do autor são cautelosas. O estudo mostra que a dessindicalização e a diminuição do conflito grevista vêm ocorrendo simultaneamente e afirma que, em conjunto, os dois processos parecem indicar enfraquecimento do sindicalismo como organização e como movimento.


Destino do Sindicalismo
Leôncio Martins Rodrigues Edusp/Fapesp (Tel. 0/xx/11/818-4149) 335 págs., R$ 27,00




Causas da crise
Discutidos os sintomas dos problemas que afligem o sindicalismo, o livro apresenta extensa e controvertida literatura sobre suas causas. Processos socioeconômicos complexos, associados à reordenação do mundo capitalista a partir dos anos 70, parecem estar favorecendo a empresa privada e, simultaneamente, modificando a estrutura das sociedades na qual o sindicalismo nasceu e prosperou.
Seus correlatos são numerosos e, em geral, desfavoráveis à atividade sindical: desemprego estrutural, decadência de setores econômicos altamente sindicalizados, expansão de formas precárias de contratação de mão-de-obra, fragmentação dos interesses das camadas trabalhadoras, deslocamento dos conflitos para o âmbito de empresas individuais etc. A eles se acrescentam fatores institucionais e políticos que podem atuar no mesmo sentido ou mitigar os efeitos desagregadores das mudanças econômicas. A densidade sindical é significativamente mais elevada e sofreu menor redução nos países cujos governos lhes são simpáticos e não adversários. Mas, para Martins Rodrigues, como bom sociólogo, os fatores estruturais, responsáveis pelas formas novas de sociedade capitalista e pela erosão das bases dos sindicatos, sem dúvida pesam mais.
O livro discute, por fim, numerosos estudos que tratam das variadas reações sindicais às novas e adversas condições. Contudo, o autor enfatiza a dificuldade de adaptação dos sindicatos às novas circunstâncias e o predomínio de estratégias defensivas de preservação de direitos e benefícios obtidos no período de bonança do segundo pós-guerra.
Capítulo a capítulo, vai-se construindo um quadro sombrio, porém realista, das perspectivas do sindicalismo, como organização e movimento. Guardadas as notáveis diferenças nacionais, os sindicatos parecem condenados a uma posição subalterna no mundo capitalista pós-industrial em processo de construção. Nessa escala apequenada, a projeção dos sindicatos pode ser maior ou menor, dependendo da sua capacidade de modernizar formas de organização, agendas e estratégias, adaptando-as às circunstâncias emergentes. Nada, em todo caso, que se compare à projeção social e à importância política que tiveram no Ocidente desenvolvido, no apogeu do capitalismo industrial.


Maria Hermínia Tavares de Almeida é professora do departamento de ciência política da USP.


Texto Anterior: José de Souza Martins: O avesso da fotografia
Próximo Texto: Fábio Wanderley Reis: A energética do interesse comum
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.