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Leôncio Martins Rodrigues estuda as causas da crise do sindicalismo
O declínio dos sindicatos
MARIA HERMÍNIA T. DE ALMEIDA
Durante pouco mais de um século, os sindicatos foram protagonistas destacados da vida das sociedades ocidentais. Indissociáveis das principais transformações econômicas e políticas por
que passou o capitalismo em toda
parte, com elas foram também
mudando a amplitude de suas bases e características sociais de seus
filiados, bem como as formas assumidas por sua organização, as
ideologias e estratégias de ação
adotadas.
Os sindicatos constituíram a pedra de toque dos sistemas de relações trabalhistas que, sob as regras e desenhos os mais diversos,
institucionalizaram mecanismos
de administração dos conflitos
entre empresas e trabalhadores,
inerentes à organização econômica fundada na propriedade privada e no trabalho assalariado. Em
graus diversos, conforme o país,
foram uma das forças propulsoras da democratização do sistema
político e da implantação de sistemas sofisticados de proteção social, nos EUA e na Europa Ocidental.
A crise dos sindicatos
Entretanto, exatamente no momento em que, "urbi et orbe", o
capitalismo se afirma como modalidade hegemônica de organização da economia, enquanto a
democracia representativa se expande, como prática ou como
meta, os sindicatos parecem estar
em profunda crise.
Para entender sua natureza e extensão, bem como suas causas
prováveis, Leôncio Martins Rodrigues foi estudar o que está se
passando ali onde o sindicalismo
nasceu e chegou a ser uma força
poderosa: os países capitalistas
democráticos de ambos os lados
do Atlântico Norte. O resultado
dessa investigação é "Destino do
Sindicalismo", 12º livro do autor
e, como os anteriores, fadado a se
transformar em leitura obrigatória para especialistas e interessados em questões sindicais.
O declínio do poder dos sindicatos, longe de um percalço conjuntural, parece uma tendência
inexorável -eis a tese central do
livro. Ela se apóia em formidável
compilação de dados estatísticos e
de estudos acadêmicos e de agências internacionais. Numa área da
pesquisa sociológica em que as inclinações políticas e as preferências doutrinárias com frequência
conduzem as análises e lhes enviesam as conclusões, Leôncio
Martins Rodrigues submeteu
suas hipóteses e indagações à rigorosa disciplina dos fatos e números pesquisados à exaustão.
O livro se divide em três partes.
A primeira examina dois indicadores do declínio do poder das organizações de defesa dos interesses assalariados: a dessindicalização e a diminuição da atividade
grevista. A segunda resume o extenso debate sobre os determinantes desse fenômeno. E a terceira parte trata das respostas que
as associações sindicais vêm dando às dificuldades por elas enfrentadas.
A tendência à redução da densidade sindical -a proporção de
sindicalizados numa dada população assalariada- é apresentada
como principal indicador da erosão do poder sindical. Pois este se
funda, em grande medida, na capacidade de arregimentação e
mobilização dos trabalhadores
organizados. A dessindicalização,
mostra o autor, tornou-se um fenômeno comum a quase todos os
países capitalistas avançados, na
década dos 80. Entre 1980 e 1989,
as taxas médias de sindicalização
caíram em todo o mundo desenvolvido, à exceção da Suécia. Naturalmente, o encolhimento das
bases sindicais tem significados
distintos e atinge de forma diferenciada o sindicalismo em cada
nação. Nos países do norte da Europa, há décadas sob predomínio
social-democrata, a densidade
sindical continua muito elevada.
Já nos Estados Unidos e na França, as taxas de sindicalização são
hoje inferiores a 20%.
Operação tartaruga
A queda da proporção de sindicalizados só não foi maior porque, enquanto os assalariados do
setor privado debandavam das
organizações sindicais, o inverso
acontecia com os empregados do
setor público. Fenômeno bastante
conhecido no Brasil, a expansão
do sindicalismo entre os servidores do Estado, em todas as suas esferas, não é, pois, uma idiossincrasia nacional. Representa, antes, uma tendência mais geral, que
o estudo de Martins Rodrigues
identifica e documenta.
Não se trata de mudança trivial,
mas de alteração profunda do lastro social do sindicalismo, com
importantes consequências sobre
seus rumos. Se isso é verdade, não
é menos certo, penso eu, que a organização dos empregados públicos proporciona novos recursos
de poder de que não dispunham
os assalariados de empresas privadas. Para atingir o governo, os
sindicatos operários tinham que
transformar sua mobilização em
rebelião. Já os empregados do Estado podem travar o funcionamento da administração e dos
serviços públicos com uma pacífica "operação tartaruga". É bem
verdade, como observa Martins
Rodrigues, que esse poder tem limites estritos. Não só depende do
alcance das atribuições do Estado,
hoje em redefinição para menos,
como da duvidosa possibilidade
de angariar simpatias da população que, com frequência, é diretamente atingida pelos movimentos de empregados públicos.
A queda das taxas de sindicalização parece se fazer acompanhar
de uma redução dos conflitos trabalhistas que desembocam em
greves, assinala o autor. Essa é a
tendência dominante na maioria
dos países, embora não ocorra em
todos ao mesmo tempo e com a
mesma intensidade. Entretanto,
as séries apresentadas, que se iniciam nos anos 60, não oferecem
base segura para a análise prospectiva.
Os dados sobre jornadas perdidas por mil trabalhadores -a
melhor medida da incidência de
greves- podem dar razão tanto à
hipótese da tendência ao declínio
quanto à da existência de ciclos de
movimentação grevista de maior
ou menor intensidade. Por outro
lado, se é possível associar redução da densidade associativa e debilitação dos sindicatos, a diminuição dos conflitos grevistas
nem sempre é sintoma de fraqueza.
É bem sabido que as estratégias
de pacto social, típicas do neocorporativismo social-democrata,
basearam-se na moderação das
paralisações em troca de benefícios sociais e aumento do poder
das organizações sindicais, especialmente daquelas que se situavam na cúpula dos sistemas de representação de interesses. Por isso mesmo, as conclusões do autor
são cautelosas. O estudo mostra
que a dessindicalização e a diminuição do conflito grevista vêm
ocorrendo simultaneamente e
afirma que, em conjunto, os dois
processos parecem indicar enfraquecimento do sindicalismo como organização e como movimento.
Destino do Sindicalismo
Leôncio Martins Rodrigues
Edusp/Fapesp
(Tel. 0/xx/11/818-4149)
335 págs., R$ 27,00
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Causas da crise
Discutidos os sintomas dos problemas que afligem o sindicalismo, o livro apresenta extensa e
controvertida literatura sobre
suas causas. Processos socioeconômicos complexos, associados à
reordenação do mundo capitalista a partir dos anos 70, parecem
estar favorecendo a empresa privada e, simultaneamente, modificando a estrutura das sociedades
na qual o sindicalismo nasceu e
prosperou.
Seus correlatos são numerosos
e, em geral, desfavoráveis à atividade sindical: desemprego estrutural, decadência de setores econômicos altamente sindicalizados, expansão de formas precárias de contratação de mão-de-obra, fragmentação dos interesses
das camadas trabalhadoras, deslocamento dos conflitos para o
âmbito de empresas individuais
etc. A eles se acrescentam fatores
institucionais e políticos que podem atuar no mesmo sentido ou
mitigar os efeitos desagregadores
das mudanças econômicas. A
densidade sindical é significativamente mais elevada e sofreu menor redução nos países cujos governos lhes são simpáticos e não
adversários. Mas, para Martins
Rodrigues, como bom sociólogo,
os fatores estruturais, responsáveis pelas formas novas de sociedade capitalista e pela erosão das
bases dos sindicatos, sem dúvida
pesam mais.
O livro discute, por fim, numerosos estudos que tratam das variadas reações sindicais às novas e
adversas condições. Contudo, o
autor enfatiza a dificuldade de
adaptação dos sindicatos às novas
circunstâncias e o predomínio de
estratégias defensivas de preservação de direitos e benefícios obtidos no período de bonança do
segundo pós-guerra.
Capítulo a capítulo, vai-se construindo um quadro sombrio, porém realista, das perspectivas do
sindicalismo, como organização e
movimento. Guardadas as notáveis diferenças nacionais, os sindicatos parecem condenados a
uma posição subalterna no mundo capitalista pós-industrial em
processo de construção. Nessa escala apequenada, a projeção dos
sindicatos pode ser maior ou menor, dependendo da sua capacidade de modernizar formas de
organização, agendas e estratégias, adaptando-as às circunstâncias emergentes. Nada, em todo
caso, que se compare à projeção
social e à importância política que
tiveram no Ocidente desenvolvido, no apogeu do capitalismo industrial.
Maria Hermínia Tavares de Almeida é
professora do departamento de ciência política da USP.
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