São Paulo, Sábado, 13 de Novembro de 1999 |
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A energética do interesse comum
FÁBIO WANDERLEY REIS
Incentivos separados Em consequência, a presunção deve ser que a ação coletiva não se realizará, a menos que haja coerção ou o que Olson denomina "incentivos separados", que atuem seletivamente em termos individuais e "remunerem" individualmente os membros do grupo por sua contribuição para o bem coletivo. Essa lógica operaria especialmente no caso de grupos de grandes dimensões, chamados "latentes", nos quais se tem como aspecto adicional o problema de coordenação que resulta, dadas as dimensões do grupo, da irrelevância da contribuição de cada um para o resultado agregado -donde retira Olson a consequência de que mesmo indivíduos altruisticamente motivados, se racionais, não investiriam os recursos ou esforços necessários à obtenção do interesse comum. A intuição básica contida na análise tem antecedentes no pensamento de numerosos autores, de Hobbes, Rousseau, Kant, Mandeville, Adam Smith e Marx, a contemporâneos, como Robert Merton, Karl Popper etc. O mérito principal de Olson consiste em dar formulação abstrata e genérica ao problema, possibilitando buscar com clareza os efeitos do paradoxo nele envolvido. Assim, o paradoxo é crucial do ponto de vista de uma teoria do Estado: a ordem pública é provavelmente o exemplo por excelência de "bem coletivo", e os dilemas daí resultantes constituíram o foco, antes de Olson, de extensos debates entre os intérpretes de Hobbes sobre a consistência da transição por ele visualizada entre o estado de natureza e a sociedade civil. Mas a questão da constituição das classes sociais como grupos efetivos e da eventual ação revolucionária de classe é exemplo de outro campo importante onde se apresentam dilemas análogos: se, à maneira de Marx, concebemos a revolução como o resultado da ação de proletários que se tornam conscientes dos seus interesses e agem racionalmente para promovê-los, como nos situaremos diante da constatação de que a própria revolução aparece como bem público e, portanto, o racional para cada proletário consistiria em abster-se dos riscos e inconvenientes da ação revolucionária e tomar carona na luta dos demais? Isso seria, por certo, pouco solidário; mas que restará da posição reclamada por Marx, se a revolução passar a ser vista como exigindo a edificante exortação à solidariedade? A questão central consiste, assim, na maneira pela qual se articulam o plano das ações individuais e o do coletivo. Nas mãos de Olson, o "individualismo metodológico" redunda em problematizar de maneira singularmente efetiva a tendência a simplesmente postular o coletivo ou tomá-lo como dado. Boa parte do ímpeto adquirido pelo que se veio a designar como a teoria ou abordagem da "escolha racional" (incluindo o "marxismo analítico") pode ser atribuída à influência de Olson. Essa abordagem de inspiração econômica acaba incidindo em claros excessos, em particular o de pretender deduzir a sociedade em sua riqueza a partir da suposição de indivíduos calculadores postos como que num estado de natureza. Cumpre tratar de raciocinar com maior sofisticação a respeito das relações complexas entre a "energética" ou motivação da ação -com os condicionamentos que lhe são trazidos por um contexto que já é de partida social- e a instrumentalidade ou "economia" própria do aspecto racional da ação, cuja postulação é indispensável a qualquer intento consequente de explicação nas ciências sociais. Mas, se viermos a ter êxito na tarefa, a ajuda do legado de Olson (recentemente falecido) terá sido de grande importância. Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Texto Anterior: Maria Hermínia T. de Almeida: O declínio dos sindicatos Próximo Texto: Juarez Guimarães: A voz que canta Índice |
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