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A ÁLGEBRA DA REVOLUÇÃO
Um clássico do pensamento marxista
TEXTO RICARDO MUSSE
Intelectual relativamente consagrado e
reconhecido por seus pares, como Thomas Mann e Max Weber, Georg Lukács,
formado no âmago da cultura burguesa,
após o fim da Primeira Guerra, aderiu,
para surpresa de todos, ao marxismo.
Um das justificativas dessa "conversão"
-destacada por ele próprio no "Prefácio" de "História e Consciência de Classe"- deve-se à fecundidade da explicação marxista do presente histórico, em
especial da tríade "guerra, crise e revolução".
Para reforçar a capacidade marxista
em atingir sua meta principal, "o conhecimento do presente", "História e Consciência de Classe" propõe-se a recuperar
a capacidade auto-reflexiva que essa linhagem havia perdido nos anos de predomínio político e intelectual da Segunda Internacional. A preocupação em esclarecer "a essência do método de Marx"
não deixou de ser a fonte de inspiração
do predomínio metodológico, tão característico do "marxismo ocidental". Mas,
de modo geral, Lukács estabeleceu os
novos parâmetros de aferição de qualquer teoria que se queira herdeira do legado de Marx com a exigência de uma
interpretação que explique, simultaneamente, três objetos distintos: o mundo
atual, a história do marxismo e a coerência -lógica ou histórica- da doutrina
de Marx.
O alvo maior de "História e Consciência de Classe" é a codificação da dialética
apresentada pelo último Engels, premissa dos equívocos políticos desenvolvidos
pela geração subseqüente no âmbito da
Segunda Internacional. Não se trata apenas do fato de Engels, seguindo o panlogicismo de Hegel, estender a atuação da
dialética ao reino da natureza, adotando
as ciências naturais como regra e modelo. A principal crítica de Lukács refere-se
à desatenção ante o vínculo entre método e transformação do mundo, ignorando o papel da dialética como "álgebra da
revolução".
As circunstâncias históricas, a sucessão
de insurreições operárias que só foram
derrotadas definitivamente no outono
de 1923, alguns meses depois da publicação do livro, levaram Lukács a vivenciar
a mesma situação de irrupção que possibilitou ao jovem Marx expor sua teoria
como "expressão pensada do próprio
processo revolucionário". Entretanto o
que permitiu uma concepção que articulasse de forma coerente o conhecimento
do presente com a história do marxismo
e com uma nova interpretação da obra
de Marx foi a primazia, concedida por
Lukács, ao conceito de totalidade.
A REIFICAÇÃO
Em "História e
Consciência de Classe", "totalidade" indica mais que a preocupação com as mediações, isto é, com a consideração dos
fenômenos sociais como momentos do
todo ou mesmo a superação da dispersão do conhecimento em esferas autônomas pela unificação do saber em uma
"ciência histórico-dialética, única e unitária". O significado decisivo do conceito
de totalidade é a transição do ponto de
vista do indivíduo para a perspectiva das
classes sociais. O proletariado assume,
assim, uma função crucial no âmbito do
conhecimento, concomitante à sua elevação à condição de sujeito e objeto do
processo histórico.
Esse modo de conceber o proletariado
abriu caminho, por um lado, para a incorporação do arsenal teórico desenvolvido por Hegel, sobretudo na "Fenomenologia do Espírito". Por essa via o método de Marx torna-se um mero prolongamento da dialética hegeliana e o marxismo -à medida que promove a unidade
entre lógica e história, teoria e prática,
história da filosofia e filosofia da história- apresenta-se como a realização do
programa do idealismo alemão. A determinação do ponto de vista do proletariado, porém, também está na origem da
teoria central de "História e Consciência
de Classe": a compreensão do fenômeno
da reificação.
Para explicar a "missão" do proletariado na história, Lukács desenvolveu uma
intrincada concepção acerca de sua
"consciência de classe", cuja baliza principal é a noção de reificação. Da revitalização desse conceito, ignorado por décadas no âmbito da tradição marxista (e
preservado com sinal trocado na sociologia alemã), emergiu a interpretação de
"O Capital", que adota o tema do fetichismo da mercadoria como feixe estruturante e princípio explicativo da obra de
Marx. Mais que isso, tornou possível
uma nova e original consideração do
presente histórico.
"História e Consciência de Classe", em
oposição à sociologia alemã, concebe o
"enigma da estrutura da mercadoria"
como o "protótipo de todas as formas de
objetividade e de todas as suas formas
correspondentes de subjetividade na sociedade burguesa". A mesma reificação
(concebida como uma fusão peculiar do
princípio marxista de "abstração" com o
conceito weberiano de "racionalização")
à qual o trabalhador está submetido no
interior da fábrica, se encontra disseminada na sociedade: nas relações econômicas, no direito e no Estado, mas também na ciência, na arte e na filosofia.
Não se trata, entretanto, da descrição
de um universo fechado. A organização
do proletariado como classe, a prática revolucionária apresentam-se como modalidades de ação que suplantam a "atitude contemplativa", generalizada na sociedade pela reificação. Os sucessores de
"História e Consciência de Classe", em
especial os frankfurtianos, mantiveram a
expansão da reificação como critério, índice, agora, da integração do proletariado. Na ausência de uma situação revolucionária, não cessaram, no entanto, de
identificar atividades que apontem para
a reversão da reificação, modificando, ao
longo do tempo, o veredicto acerca da
ciência, da arte e da filosofia.
Essa tradução, a primeira feita no Brasil, não discrepa muito da tradução portuguesa que há décadas circula entre nós.
Mas, além de algumas importantes correções conceituais, tem o mérito de ter
deixado o texto um pouco menos ininteligível.
RICARDO MUSSE é doutor em filosofia e
professor de sociologia na USP.
História e Consciência de Classe - Estudos sobre a Dialética
Marxista Georg Lukács
Tradução Rodnei Nascimento e Karina Jannini
Martins Fontes (Tel. 0/xx/11/3241-3677)
598 págs. R$ 58,50
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