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Jacobinismo inglês
CILAINE ALVES CUNHA
A grande maioria de textos que compõem este livro ["Os Românticos
- A Inglaterra na Era Revolucionária"] procura reconstituir, passo a
passo, o cotidiano de John Thelwall, William Wordsworth e Samuel T.
Coleridge durante a Revolução Francesa, num esforço de compreender
os rumos do pensamento e da prática jacobinos entre os poetas ingleses. Trata-se de uma coletânea de duas palestras, cinco resenhas e um
ensaio acadêmico, produzidos por E.P. Thompson entre as décadas de
1970 e 1990. O fio metodológico que os unifica é a tentativa de procurar
no passado a compreensão do presente.
Na palestra inicial, destoante do conjunto, o autor traça um balanço
da prática educacional na Inglaterra, procurando formas de superar o
dilema entre teoria e prática. Ele remonta à obra de Wordsworth o nascimento, na literatura inglesa, do conflito cultura popular/letrada e do
"impulso" que, considerando a experiência no sofrimento e no trabalho, almeja uma ordem social fraterna, baseada na conquista de uma
cultura igualitária comum. Na prática educacional inglesa do século 19,
a busca de realização desse impulso teria sido freada pelo movimento
contra-revolucionário desencadeado a partir do impacto de 1789, desembocando no retorno do paternalismo ou num modelo de educação
dos trabalhadores baseado no controle de sua sociabilidade.
Debruçando-se sobre seu tempo, Thompson considera que, ainda
que o modelo de educação como dominação e controle diretos tenha sido sobrepujado, o ensino como instrumento de ascensão social, aliado
à superespecialização, mantém a alienação.
Nesse artigo, o clássico conceito de "experiência" do autor ressoa na
postulação da necessidade de superar as diferenças culturais. Thompson considera o sentimento de solidariedade próprio da experiência do
trabalhador, contrapondo-o à frivolidade e ao convencionalismo do
conhecimento abstrato. Com isso, presume uma ausência de formalização na tradição popular e a impossibilidade de o conhecimento formal tornar-se experiência viva. Ainda que não se esclareça como e em
que medida uma tradição possa equiparar-se à outra, uma futura democracia de igualitarismo cultural traria um dialético relacionamento
mútuo entre trabalho e razão, sensibilidade e rigor intelectual, com a
experiência fornecendo o lastro das idéias.
A recuperação da prática jacobina do trio romântico acima desemboca numa desalentada digressão sobre a diferença entre "apostasia" e
"desencantamento".
O autor procura descrever empaticamente o processo que culminou
na conversão de Wordsworth à Igreja Anglicana, às práticas culturais
do paternalismo e ao patriotismo conservador, por meio do acompanhamento de seu conflito com os princípios revolucionários. Propõe-se
a rechaçar a opinião corrente segundo a qual desde a versão de 1805 de
"Prelude", Wordsworth já reafirma os valores tradicionais.
Entende antes que a vivência do choque com a invasão francesa e a
alienação do povo inglês teriam fortalecido seus impulsos humanistas.
Posteriormente, o enfraquecimento de sua capacidade criativa coincide
com a decepção com a filosofia de William Godwin até a rendição final,
com a incorporação do didatismo moral em sua poesia.
O historiador crê que uma prática engajada seja possível apenas
quando os referentes objetivos permitem. Supõe natural que o processo
de violenta perseguição contra os jacobinos desembocasse na mudança
de atitude de Wordsworth. Assim, na pesquisa final, recupera detidamente a coerência e o ativismo político de Thelwall, seus longos dias de
isolamento social e político, os anos em que foi perseguido, a perda de
uma filha, sua ridicularização pública, num momento decisivo em que
procura se reerguer, e, no fim, sua autocomiseração.
Tudo isso desemboca numa leitura que, confundindo o preceito romântico de estilização da vida real com sua representação imediata,
compreende que o exemplo de Thelwall, mas também o deslocado e rejeitado alter ego jacobino de Wordsworth, seria modelo do personagem
Solitário, em "The Excursion" (1814). Diante disso, a perda de capacidade criativa não teria derivado daquela conversão, mas do modo nada
convicto com que ela se enuncia na obra, o que não evidenciaria apostasia, mas descontentamento.
Implacável nas resenhas sobre Coleridge, Thompson minimiza os
efeitos do ópio em sua conduta moral, política e poética. Para ele, a adesão do poeta ao conservadorismo aristocrático deve servir de parâmetro para a compreensão do enfraquecimento de sua força criadora.
À descrição minuciosa de seus anos de juventude radical contrapõe o
relato dos fins mais traiçoeiros, muito em voga desde então, a que um
intelectual se destina. O historiador ressalta, de um lado, as antigas aspirações do poeta pela abolição da propriedade, mas, de outro, suas restrições juvenis à igualdade e à liberdade do povo. Pontua ainda a retomada, pelo jovem Coleridge, do princípio godwiniano de "boa vontade
universal", em que se reivindica uma posição social privilegiada ao intelectual "esclarecido", concebido como guardião da razão e do bom senso e de quem se exige uma conduta supostamente desinteressada, restrita à cultura.
Impresso na linguagem literária, esse procedimento, como se sabe,
não se restringe a Godwin, mas se encontra disseminado em certas vertentes do romantismo, no Schlegel convertido ao catolicismo, em madame de Staël, Victor Hugo, Gonçalves Dias, entre tantos. Em Coleridge, o lado conservador de seu pensamento teria ganhado força na maturidade, quando ele, reconciliando-se com o status quo, transforma
em moeda de troca seu crédito de socialista utópico, utilizando a linguagem revolucionária a serviço da contra-revolução.
Em algumas passagens do livro, Thompson responsabiliza exclusivamente os rumos políticos da Revolução Francesa pela derrota acachapante dos ideais humanistas na Europa. O fato de não salientar também
as implicações geradas pela expansão da economia industrial talvez não
derive apenas de sua opção metodológica. À parte os problemas de revisão, algumas passagens incoerentes e umas tantas repetições, a composição do livro com textos de circunstâncias, postumamente organizados, assim como os próprios dilemas do autor com os descaminhos
da Revolução Russa e do marxismo talvez ajudem a compreender tal
unilateralidade no argumento e o tom de desalento geral.
Cilaine Alves Cunha é autora de "O Belo e o Disforme - Álvares de Azevedo e a Ironia Romântica" (Edusp/Fapesp).
Os Românticos - A Inglaterra na Era Revolucionária
E.P. Thompson
Tradução: Sérgio Moraes Rêgo Reis
Civilização Brasileira (Tel. 0/xx/21/2585-2000)
300 págs., R$ 38,00
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