Ribeirão Preto, Domingo, 23 de Maio de 2010

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PERFIL PELICANO

Essa piada é minha, Glauco

Irmão do cartunista da Folha assassina do em março diz que, se Lula tomasse o chá do Santo Daime, convocaria Marina Silva para candidata a presidente

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO

Um perfil sobre César Augusto Vilas Boas, 59, o Pelicano, mereceria página dupla... Para abrigar sem cortes a foto do seu imponente nariz. Essa é para começar o texto no mesmo clima da entrevista que o cartunista concedeu à Folha na fria noite da última quarta-feira. A conversa aconteceu no cômodo onde Pelicano trabalha, em sua casa, no Parque Candido Portinari, em Ribeirão Preto.
Pelicano é irmão do cartunista, Glauco Vilas Boas, assassinado a tiros na madrugada do dia 12 de março, em São Paulo. Falar sobre a tragédia, aliás, é o que esfria o humor de Pelicano. "Às vezes estou trabalhando, começo a me lembrar e me dá uma dor, cara. Parece que não caiu a ficha, sabe?"
Meio que por instinto, Pelicano começa a lembrar e a falar de Glauco vivo. "Nós fazíamos muito humor juntos. Depois, eu via umas charges dele que me lembravam nossas conversas e dizia: "Essa piada é minha, Glauco." E a gente ria." Pelicano é, como o irmão, padrinho do Santo Daime e diz que a religião o conforta agora.

A PROFISSÃO
O apelido Pelicano e o cartunista profissional nasceram, por acaso, durante a faculdade de engenharia civil no Centro Universitário Moura Lacerda, nos anos 1970. O jovem César Augusto por pouco não recebeu a alcunha de tucano -de novo, o nariz.
O colega de classe que queria apelidá-lo não encontrou imagens da ave bicuda e acabou cobrindo as paredes do quarto com desenhos de pelicanos. "Quando eu entrava na sala, o pessoal agitava: "Olha o Pelicano!" Aí pegou, eu até gostei e comecei a assinar [os cartuns] assim." A outra versão do apelido é "muito papo e pouco peixe".
O destino também quis que Pelicano se profissionalizasse pelas mãos do caçula Glauco, embora os dois irmãos tenham sido atraídos para o mundo das ilustrações por outro ilustre cartunista.
"Depois que vimos uma revista do Henfil (1944-1988), ficamos pirados", conta.
Mas enquanto Pelicano ainda treinava seus traços em casa, Glauco já trabalhava no extinto jornal "Diário da Manhã", de Ribeirão Preto. Um dia colocou na bolsa um dos cadernos em que o irmão havia conseguido finalizar alguns desenhos. O editor do matutino na época acabou folheando o caderno e convidou Pelicano para trabalhar.
Foi assim que os dois rapazes de Jandaia do Sul, no Paraná, se juntaram na profissão. Isso foi em 1978.
Logo depois, Glauco foi para São Paulo e começou a a ilustrar páginas da Folha. Pelicano, por outro lado, ficou em Ribeirão, terminou a faculdade e criou quatro filhas. Publicou sua arte principalmente em jornais da cidade até 2005, quando foi contratado por uma rede de jornais do interior paulista. Há cerca de um mês, as charges também passaram a ser publicadas no "Diário de S. Paulo".

O DAIME
Pelas mãos do irmão, Pelicano conheceu em 1993 a seita do Santo Daime, na qual um chá de folha de chacrona e cipó de mariri é consumido durante os rituais pelos fiéis em busca do "eu superior". Quando Glauco foi assassinado por um dos adeptos da seita, surgiram questionamentos sobre supostos efeitos nocivos da bebida.
Puro preconceito, na opinião de Pelicano. "O cara [assassino] estava tomado por outros seres. Acho que tinha surtos, esquizofrenia", diz.
"Sei o que rola. Tem gente que acha que o chá deixou o cara alucinado e por isso ele matou o Glauco. Pelo contrário, a religião beneficia muita gente na cura de males espirituais e vícios. Gente que bebia e usava drogas na minha família foi curada. O Daime não tem culpa da tragédia."
Pelicano classifica o chá como "expansor de mente que abre a mediunidade e faz a pessoa entrar em contato com entidades espirituais". Esse efeito, diz ele, ajuda a alcançar "entendimento espiritual, da vida, da eternidade e de vidas passadas". É no Daime que o cartunista buscou conforto para a morte do irmão e encontrou "a certeza de que não se pode desanimar" e que Glauco "está em um plano muito bom".

O HUMOR
Se as lembranças do episódio angustiam Pelicano, memórias da parceria com Glauco o reanimam. "No começo, eu dava muitos palpites nos trabalhos dele, enchia o saco mesmo", lembra. Como era muito provocado por Pelicano sobre a paternidade de algumas ideias, um dia Glauco sugeriu uma trégua.
"Sempre usei mais textos nos meus desenhos, diferente do Glauco. Então um dia ele disse assim: "Pelicano, quando a charge tiver texto a ideia é sua, ok?'", conta.
Provocado sobre qual político ele gostaria de ver tomar o chá, o cartunista-religioso responde:
"O Lula seria legal. Se ele tomasse o Daime, convocaria a Marina Silva para ser candidata a presidente e dispensaria a Dilma Roussef."


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