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PERFIL PELICANO
Essa piada é minha, Glauco
Irmão do cartunista da Folha assassina do em março diz que, se Lula tomasse o chá do Santo Daime, convocaria Marina Silva para candidata a presidente
ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO
Um perfil sobre César Augusto Vilas Boas, 59, o Pelicano, mereceria página dupla... Para abrigar sem cortes
a foto do seu imponente nariz. Essa é para começar o
texto no mesmo clima da entrevista que o cartunista concedeu à Folha na fria noite
da última quarta-feira. A conversa aconteceu no cômodo
onde Pelicano trabalha, em
sua casa, no Parque Candido
Portinari, em Ribeirão Preto.
Pelicano é irmão do cartunista, Glauco Vilas Boas, assassinado a tiros na madrugada do dia 12 de março, em
São Paulo. Falar sobre a tragédia, aliás, é o que esfria o
humor de Pelicano. "Às vezes estou trabalhando, começo a me lembrar e me dá uma
dor, cara. Parece que não
caiu a ficha, sabe?"
Meio que por instinto, Pelicano começa a lembrar e a falar de Glauco vivo. "Nós fazíamos muito humor juntos.
Depois, eu via umas charges
dele que me lembravam nossas conversas e dizia: "Essa
piada é minha, Glauco." E a
gente ria." Pelicano é, como
o irmão, padrinho do Santo
Daime e diz que a religião o
conforta agora.
A PROFISSÃO
O apelido Pelicano e o cartunista profissional nasceram, por acaso, durante a faculdade de engenharia civil
no Centro Universitário Moura Lacerda, nos anos 1970. O
jovem César Augusto por
pouco não recebeu a alcunha
de tucano -de novo, o nariz.
O colega de classe que
queria apelidá-lo não encontrou imagens da ave bicuda e
acabou cobrindo as paredes
do quarto com desenhos de
pelicanos. "Quando eu entrava na sala, o pessoal agitava: "Olha o Pelicano!" Aí pegou, eu até gostei e comecei a
assinar [os cartuns] assim." A
outra versão do apelido é
"muito papo e pouco peixe".
O destino também quis
que Pelicano se profissionalizasse pelas mãos do caçula
Glauco, embora os dois irmãos tenham sido atraídos
para o mundo das ilustrações
por outro ilustre cartunista.
"Depois que vimos uma revista do Henfil (1944-1988),
ficamos pirados", conta.
Mas enquanto Pelicano
ainda treinava seus traços
em casa, Glauco já trabalhava no extinto jornal "Diário
da Manhã", de Ribeirão Preto. Um dia colocou na bolsa
um dos cadernos em que o irmão havia conseguido finalizar alguns desenhos. O editor do matutino na época
acabou folheando o caderno
e convidou Pelicano para trabalhar.
Foi assim que os dois rapazes de Jandaia do Sul, no Paraná, se juntaram na profissão. Isso foi em 1978.
Logo depois, Glauco foi
para São Paulo e começou a a
ilustrar páginas da Folha.
Pelicano, por outro lado, ficou em Ribeirão, terminou a
faculdade e criou quatro filhas. Publicou sua arte principalmente em jornais da cidade até 2005, quando foi
contratado por uma rede de
jornais do interior paulista.
Há cerca de um mês, as charges também passaram a ser
publicadas no "Diário de S.
Paulo".
O DAIME
Pelas mãos do irmão, Pelicano conheceu em 1993 a seita do Santo Daime, na qual
um chá de folha de chacrona
e cipó de mariri é consumido
durante os rituais pelos fiéis
em busca do "eu superior".
Quando Glauco foi assassinado por um dos adeptos da
seita, surgiram questionamentos sobre supostos efeitos nocivos da bebida.
Puro preconceito, na opinião de Pelicano. "O cara [assassino] estava tomado por
outros seres. Acho que tinha
surtos, esquizofrenia", diz.
"Sei o que rola. Tem gente
que acha que o chá deixou o
cara alucinado e por isso ele
matou o Glauco. Pelo contrário, a religião beneficia muita
gente na cura de males espirituais e vícios. Gente que bebia e usava drogas na minha
família foi curada. O Daime
não tem culpa da tragédia."
Pelicano classifica o chá
como "expansor de mente
que abre a mediunidade e faz
a pessoa entrar em contato
com entidades espirituais".
Esse efeito, diz ele, ajuda a alcançar "entendimento espiritual, da vida, da eternidade
e de vidas passadas". É no
Daime que o cartunista buscou conforto para a morte do
irmão e encontrou "a certeza
de que não se pode desanimar" e que Glauco "está em
um plano muito bom".
O HUMOR
Se as lembranças do episódio angustiam Pelicano, memórias da parceria com Glauco o reanimam. "No começo,
eu dava muitos palpites nos
trabalhos dele, enchia o saco
mesmo", lembra. Como era
muito provocado por Pelicano sobre a paternidade de algumas ideias, um dia Glauco
sugeriu uma trégua.
"Sempre usei mais textos
nos meus desenhos, diferente do Glauco. Então um dia
ele disse assim: "Pelicano,
quando a charge tiver texto a
ideia é sua, ok?'", conta.
Provocado sobre qual político ele gostaria de ver tomar
o chá, o cartunista-religioso
responde:
"O Lula seria legal. Se ele
tomasse o Daime, convocaria
a Marina Silva para ser candidata a presidente e dispensaria a Dilma Roussef."
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