São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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NO RIO

A caixa de música

por HELOÍSA SEIXAS

A CAIXA DE MÚSICA
Houve quem reclamasse do veludo cor de goiaba, mas foi pura implicância: o Teatro Municipal do Rio está deslumbrante

Ao explicar, em entrevista, o motivo do atraso nas obras de restauro do Teatro Municipal do Rio, a diretora da instituição Carla Camurati comentou que, quando os restauradores começavam a trabalhar em uma obra de arte nas paredes, descobriam que havia outra escondida por trás. E, assim, de camada em camada, novas maravilhas se revelaram aos olhos deles –e agora podem ser vistas por todos.
As obras de restauro duraram mais de dois anos, mas valeu à pena esperar. Quando a casa foi reaberta, no mês passado (com um ano de atraso em relação às comemorações de seu centenário), houve quem reclamasse do veludo cor de goiaba das poltronas e de outros detalhes, mas acho que foi pura implicância: o Municipal está deslumbrante, por dentro e por fora.
Outro dia fui assistir a um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira e fiz questão de chegar mais cedo para observar os detalhes. Subir a escadaria do metrô na Cinelândia em dia de espetáculo e olhar o Municipal à distância é um impacto. As luzes acesas, o colorido dos vitrais, a cintilação do cristal biseauté nas portas em arco, o telhado de cobre verde com a águia e todos os detalhes em folha de ouro brilhando como nunca, tudo faz com que o teatro pareça uma caixa de música, um estojo de joias, uma luminária art nouveau que pertenceu à família imperial russa, algo assim.
Por dentro, o êxtase continua: todos os detalhes em mármore ou estuque foram realçados pelo restauro, assim como as esculturas e pinturas de vários artistas, como os irmãos Bernardelli e, principalmente, Eliseu Visconti. Com a delicadeza dos tons pastel e das pinceladas que remetem ao pontilhismo, as pinturas de Visconti enfeitam rotundas, tetos de corredores e foyers, o pano de boca, o proscênio (friso que fica acima do palco). Mas minha predileta é a do plafond central da sala de espetáculos, a hipnótica "Dança das Horas", que envolve o lustre de cristal.
A reforma foi um esforço tremendo e envolveu mais de 900 profissionais, sendo 350 restauradores e os demais operários da construção civil. Os momentos mais dramáticos e espetaculares foram a retirada e a colocação da águia no alto do telhado, depois de ter sido recoberta por folhas de ouro por artífices franceses dos Ateliers Gohard, mesma empresa que fez douramentos no palácio de Versalhes, na cúpula de Les Invalides e na cobertura da Ópera de Paris (aliás, a grande inspiradora do Municipal).
Mas a beleza do Teatro não está apenas nos detalhes físicos e, sim, na sensação de que dentro dele se respira história. Impossível entrar ali e não pensar que, naquele palco, já pisaram Caruso, Bidu Sayão, Maria Callas, Richard Strauss, Toscanini, Villa-Lobos, Sarah Bernhardt, Stravinsky, Nijinsky, Isadora Duncan, Margot Fontayn, Márcia Haydée, Rudolf Nureyev, tantos outros. Isso para não falar que foi no Teatro Municipal que, em 1943, Nelson Rodrigues criou o moderno teatro brasileiro, ao encenar "Vestido de Noiva".
Ao sair do teatro, quando, do outro lado da rua, olhei para trás, não pude deixar de pensar naquela avenida Rio Branco que o prefeito Pereira Passos construiu na primeira década do século 20 –a linda fileira de edifícios em estilo francês, da qual o Municipal foi o símbolo maior. Hoje, ele reina quase solitário, pois poucas construções foram poupadas por essa coisa monstruosa que às vezes chamamos progresso. Mas há esperança: andam surgindo planos de fechar a Rio Branco e fazer dela novamente um boulevard, como nos tempos em que se chamava avenida Central.

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