São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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FINA

Carne viva

por FERNANDA EZABELLA, de Los Angeles

A criadora da PETA, ingrid newkirk, comemorou 30 anos de defesa dos direitos dos animais com um baile de gala em Los Angeles cheio de celebridades; e não pretende parar de lutar nem morta

Uma noite, nos anos 70, Ingrid Newkirk voltava para casa depois de salvar um porco numa fazenda abandonada e pensava no que fazer para o jantar. Lembrou-se das costelinhas que tinha descongelado. Foi a última carne que ela quase comeu.
Lançou a Peta (pessoas pelo tratamento ético de animais, na sigla da ONG em inglês) pouco depois. Hoje, a organização com sede no Estado da Virginia, nos EUA, é a maior do mundo em defesa dos animais. Coleta mais de US$ 40 milhões em doações por ano de seus 2 milhões de membros. "Alguns doadores são pessoas vivendo de aposentadoria que se importam com animais, outros são ricos generosos. Mas nada vem do governo", esclarece.
Os 30 anos da ONG foram comemorados em grande estilo, com um baile de gala no Hollywood Palladium. Garçons circulavam entre celebridades como Anjelica Huston, Eva Mendes, Bryan Adams e Alec Baldwin, o apresentador da noite, enquanto distribuíam espetinhos do que parecia ser frango, no gosto e na aparência, mas era soja, e pedaços de pizza vegan. Tudo bem saboroso.
Ingrid conversou com a reportagem de Serafina horas antes do baile verde. Vestia roupas simples –nada de couro, obviamente–, um colar com um delicado pingente de coração e uma bolsa de tecido de cinco anos atrás, com o logotipo comemorativo dos 25 anos da Peta.
Duas semanas antes, na premiação da MTV americana, também em Los Angeles, Lady Gaga tinha estreado seu vestido feito de carne. Pergunto a Ingrid se ela é a próxima vítima da Peta. "Ela é só uma garota que quer aparecer. Tentou se justificar dizendo algo em favor dos gays, mas não convenceu a ninguém", afirma. "Mandei uma carta sugerindo que nos encontrássemos para um almoço vegan, mas ainda não obtive resposta."
Nascida na Inglaterra e criada na Índia, Ingrid, 61, conta que teve um cachorro na infância que era quase como um irmão. Foi ele que a despertou para o fato de os animais terem quase todos os mesmos sentimentos e sensações que nós. Mas foi só depois de adulta, já na casa dos 20 anos, que percebeu que gostar de animais vivos como companhia e dos mortos como prato principal era uma grande contradição.
"Paul McCartney sugere que os novos adeptos comecem sua transformação aos poucos. Uma dieta vegan às segundas-feiras não é um grande sacrifício, mas causa um grande impacto", diz. Paul McCartney é um dos seguidores mais empolgados da Peta, que tem entre os seus adeptos celebridades como Charlize Theron, Carmen Electra, Dave Navarro e Pink.
Mas não é com sutilezas, como sugere o ex-Beatle, que a Peta dissemina sua mensagem. Os protestos costumam ser radicais, lambuzados de sangue falso em desfiles de moda, lojas de grife e circos, além de custosas investigações secretas.
"Meu protesto favorito foi contra um couro vindo da Índia e da China. As pessoas acham que, na Índia, o gado não morre, mas isso é mentira", contou. "Fomos até a principal loja da GAP em Nova York com a roqueira Chrissie Hynde. Havia uma arara de casacos de couro, peguei um e comecei a destruí-lo. Fomos presas, mas, no final, a GAP resolveu não importar couro da Índia nem da China. Ficamos bem felizes."
Ingrid não tem medo de polêmicas. Ao contrário, ela procura e gera o caos porque acredita que isso divulgue a causa e faça pensar –como quando comparou a matança de animais ao Holocausto e atirou um guaxinim morto contra Anna Wintour, editora da "Vogue" norte-americana e fã de casacos de pele.
"Foi só com o uso desses métodos que conseguimos convencer a General Motors a deixar de usar macacos em simulações de acidentes de carros ou a L'Oréal a parar com os testes em animais", defende.
Até morta ela quer seguir chocando. Para isso deixou um testamento de causar náu-seas no qual prevê, entre outras coisas, churrasco com sua carne e o envio de um de seus olhos para uma agência de proteção nos EUA (detalhes ao lado). "Estava em um avião que quase caiu. Foi lá que pensei que não gostaria que meu trabalho terminasse se eu morresse. Então bolei o testamento", explicou.
A última "invasão de vitrine" de que participou foi há cerca de cinco anos, numa loja de Jean Paul Gaultier em Paris, contra o uso de casacos de pele. As imagens estão no documentário "I Am an Animal", de 2007, que conta a sua vida.
Ingrid vive para o trabalho. Não tem filhos, nem marido, nem bichos de estimação. "Mas sou a babá preferida dos meus amigos donos de cachorros ou gatos que, às vezes, querem viajar e não têm com quem deixá-los", afirma. No tempo que tem livre, faz palavras cruzadas e assiste a corridas de Fórmula 1. Na sua lista de coisas preferidas, os primeiros lugares são ocupa-dos por passarinhos, vacas e Michael Schumacher.
Na sede da Peta, existe um pôster do piloto com um vira-lata que ele adotou após uma corrida em São Paulo. "Nunca fui ao Brasil, mas tenho um brasileiro no meu escritório", diz, rindo.
Na madrugada, no fim da festa, ela ainda tinha mais uma coisa a fazer. Às 4h30 , ligou a TV para ver Schumacher correr em Cingapura.

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