São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2005

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Experimentar

As estrelas de Nicolelis

Gilberto Dimenstein
colunista da Folha

Considerado um dos mais importantes neurocientistas do mundo, o brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, deve o início de seu interesse pelos cérebros às aulas de astronomia -ou seja, às estrelas. Numa sala de aula da Faculdade de Medicina da USP, os mistérios do cosmos vinham com fundo musical de ópera, além de queijos e vinhos. "Foi onde tudo começou", diz Nicolelis. Seu laboratório está inventando próteses para portadores de deficiências: será possível acioná-las apenas com o uso do cérebro. O cientista já fez, por exemplo, alguns macacos moverem jogos no computador somente com estímulos cerebrais, sem usar as patas. As aulas de astronomia não eram dadas por um astrônomo, mas pelo médico César Timo-Iaria, considerado o pioneiro da neurociência no Brasil. "Aprendi com ele como o cérebro podia ser a síntese do mundo e o quanto é importante tentar juntar todas as áreas do conhecimento", conta. Fazia sentido, portanto, que o neurocientista desse aulas de astronomia ao som de ópera. "A ópera é o que de mais sofisticado um cérebro pode produzir", afirma Nicolelis. Daquele contato com o professor Timo-Iaria, morto recentemente, aos 80 anos, Nicolelis foi direcionando sua atenção à neurociência, o que acabou por levá-lo a morar nos Estados Unidos. A principal lição que Timo-Iaria passou não foi científica. "Aprendi com ele um jeito de viver. Aprendi que devemos levar nossa curiosidade e nossa paixão às últimas conseqüências." Às vésperas da morte de César Timo-Iaria, Nicolelis foi vê-lo e ficou, mais uma vez, impressionado. "Ele me disse que teve tudo de bom na vida e que fez tudo o que era possível para gerar conhecimento." O que impressionou o neurocientista é que o mestre parecia mesmo feliz, como se tivesse cumprido bem uma missão. Graças a Timo-Iaria, afinal, surgiu no país uma geração de neurocientistas. Nicolelis se surpreendeu também com uma coincidência. Seu antigo professor morreu vítima de esclerose lateral amiotrófica - todos os movimentos do corpo cessam com essa doença. Nos Estados Unidos, na década de 60, o cientista fez descobertas sobre essa doença. Nos últimos anos, essa esclerose era um dos focos de investigação de Nicolelis. "Um dos meus projetos é encontrar a cura para esse mal."


Gilberto Dimenstein, 48, é membro do Conselho Editorial da Folha e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo. @ - gdimen@uol.com.br


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