São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Perfil

Ângela Hirata teve de lidar com a frustração de não ser pianista e aprender a curtir a vida antes de se destacar como uma das responsáveis pelo prestígio internacional das Havaianas

O prazer é todo seu

Ana Maria Peres
colaboração para a Folha

A canção diz que só é preciso um banquinho e um violão. Para a paulista Ângela Hirata, que passou metade do ano em visita a seis países da Europa e quatro da Ásia, além de Argentina, México e Estados Unidos, a fórmula da felicidade é uma passagem aérea em uma mão e um futuro negócio na outra. Com exceção de dois cruzeiros que ela realizou no período -um de Lisboa a Roma e outro de Barcelona a Londres-, o restante das viagens foi a trabalho. Aos 61 anos, ela é consultora de comércio exterior da São Paulo Alpargatas, empresa que fabrica as Havaianas, sandálias que devem o glamour recém-conquistado ao trabalho de Ângela.
Quando aceitou o convite da direção da empresa para internacionalizar as Alpargatas, em 2001, Ângela optou pelos famosos chinelos de borracha. "Você está louca? É considerado produto de pobre", respondeu o então presidente da companhia, Fernando Tigre, rindo. "As Havaianas são a cara do Brasil, alegres e coloridas", retrucou ela.
"Achei uma loucura a idéia que ela teve de vender as Havaianas em lugares tão sofisticados como a Galerie Lafayette, em Paris, na qual o par de sandálias mais barato custa 23 euros, ou a Celux, em Tóquio. Na Celux, os clientes pagam US$ 2.500 só para ter o direito de freqüentar o lugar. Não acreditei quando vendemos todas as Havaianas que exportamos para lá, algumas por US$ 250", recorda Tigre, 60, que foi diretor-presidente da Alpargatas de 1997 a 2003.
"Para minha surpresa, a toda hora Ângela acrescentava um país na lista dos que vendiam as sandálias. Depois que fomos para fora do país, os brasileiros passaram a ir ao shopping usando Havaianas", completa Tigre, hoje presidente da Kaiser. No ano passado, 10 milhões de sandálias "pobres" foram exportadas para 76 países. Hoje, um exemplar com um cristal Swarovski chega a custar, em Paris, o equivalente a R$ 80.
Ângela acompanha com zelo de mãe as sandálias que pôs no mundo. Sua rotina inclui pernoites em aviões, encontros com embaixadores, políticos, estilistas e empresários do setor e até um bate-papo com o pessoal do Oscar: em 2003, ela convenceu a direção do prêmio a dar a cada indicado um par de Havaianas especialmente desenhado para o evento.


Quando Ângela propôs que as Havaianas fossem exportadas, o dono da empresa achou uma loucura, "é considerado produto de pobre", disse. O resultado é que, só no ano passado, 10 milhões de sandálias foram vendidas para 76 países


A habilidade para conviver com tantas pessoas veio de casa. Filha de uma ceramista e de um professor de haicai (tipo de poema japonês), ela nasceu em Rosália, interior de São Paulo, onde foi alfabetizada em japonês pela avó e aprendeu a negociar com o avô, comerciante e fazendeiro. "Sempre fui boa mediadora de conflitos, inclusive na escola", afirma, com a experiência de quem teve de dividir a atenção dos pais com mais 12 irmãos. Quem vê a determinação com a qual defende suas opiniões não imagina que a carreira de Ângela nasceu por causa de uma frustração e de uma escolha equivocada. Adolescente, tentara ser pianista para tocar Sergei Rachmaninoff, compositor russo do começo do século 20.
"Meu sonho de menina era ser pianista", afirma. "Até hoje, sinto-me frustrada por não ter conseguido realizar esse sonho." Como não conseguiu, veio para São Paulo em 1961 e, em 1964, sem saber ao certo o que cursar, foi aprovada em letras na USP (Universidade de São Paulo). Depois de seis meses, Ângela viu que seu negócio eram "os negócios" e foi parar no curso de administração de empresas na mesma universidade.
Os primeiros trabalhos na área surgiram naquela época. Como as empresas não tinham um departamento específico de comunicação, Ângela começou como relações públicas. No início da década de 70, trabalhou no marketing da primeira franquia da Levi's no Brasil. Depois, virou consultora e passou anos prestando serviços a diversas empresas, até que foi convidada por Nestor de Paula, à época dono da Azaléia, a abrir caminho para os produtos da empresa no Japão, em 1986.
Para aprender a lidar melhor com comércio exterior, procurou, em Brasília, pessoas que trabalhavam no Decex (Departamento de Operações de Comércio Exterior do Brasil), órgão ligado ao governo federal. "Aprendi [com eles] como funciona o trâmite legal e o mecanismo de logística observando e lendo livros que eles recomendavam", conta ela, que visitava o local esporadicamente.
Em 1989, Ângela se mudou para Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, para presidir uma empresa de calçados, a TNK. No começo de 2000, foi chamada pela Alpargatas. O objetivo da empresa era que a consultora abrisse o mercado asiático para os produtos da companhia. Ângela não parou mais. "O prazer tem de estar atrelado ao "business". Curto muito a vida", afirma.
Hoje, além de cantora nas horas vagas -ela costuma soltar a voz com sucessos dos Beatles e de Frank Sinatra, além de músicas populares japonesas-, Ângela é vice-presidente da Abest (Associação Brasileira de Estilistas). Na associação, ela coordena a internacionalização das marcas e leva para empresas e universidades a experiência acumulada em mais de 40 anos de carreira. Depois de amanhã, dia 29/9, irá ministrar um seminário em Porto Alegre na centésima edição dos Encomex (Encontros de Comércio Exterior). "Sempre digo que, para negociar com um país, você tem de conhecer a cultura primeiro. Respeito e olho no olho são imprescindíveis", recomenda a consultora.
Segundo Ângela, que também fala espanhol e inglês, o ensino superior de comércio exterior é o caminho natural para quem quer ingressar na área, mas ela também aposta nos cursos de especialização oferecidos pela empresa de consultoria Aduaneiras e pela Fundação Dom Cabral. "É claro que uma universidade pública faz diferença no currículo, mas depende de cada um. Tudo é fácil, desde que você sinta prazer", afirma. Atualmente, o salário de um recém-formado em comércio exterior gira em torno de R$ 2,5 mil por mês. Ângela ganha mais do que R$ 25 mil mensais, bem mais do que o suficiente para comprar os CDs de Masao Koga, um dos seus cantores japoneses prediletos. "Ele é uma espécie de "Frank Sinatra" japonês", explica a fã.


Texto Anterior: Experimentar - Gilberto Dimenstein: As estrelas de Nicolelis
Próximo Texto: O quadro se agrava
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.