São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

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educação

Comum até a 4ª série, polivalência prevê que um único professor ministre várias matérias a uma mesma classe. Entenda o que leva as escolas a estender ou não esse método a outras séries do ensino fundamental

Um por todos

Carolina Cassiano
colaboração para a Folha

Às 7h, a professora Mirami Martins Maia, da Escola Municipal João Pinheiro, inicia a aula de matemática. Cerca de uma hora e meia depois, interrompe o curso e avisa aos alunos que começará o estudo de português. Passada mais uma hora, chega o momento das aulas de geografia, história ou ciências. Tudo seria nos moldes tradicionais se ela fosse uma professora de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. Mas ela não é: Mirami leciona cinco matérias em uma classe de 5ª série. Por formação, é especialista em matemática, mas já se acostumou a explicar como se faz uma redação.
Esse é o modelo do professor polivalente, aquele que, tal qual um canivete, agrega várias funções. A polivalência difere do sistema de professores especialistas, em que cada um ensina somente uma disciplina. Assim como um alicate não faz as vezes de martelo, no método convencional um professor de matemática não dá aulas de português.
Mirami se arriscou a mudar de método. Isso foi há 21 anos, quando a João Pinheiro ainda adotava o método tradicional. À época, a direção da escola percebeu que, na 5ª série, até os alunos mais dedicados apresentavam baixo rendimento. Os educadores concluíram que era traumática a passagem do formato de uma única professora, na 4ª série, para os muitos especialistas da 5ª série. "Parecia que [os alunos] desaprendiam tudo o que sabiam no ano anterior", lembra Mirami.
A preocupação com o desempenho dos alunos impulsionou os docentes a procurar a Escola Vera Cruz, colégio particular que adota a polivalência até a 6ª série desde 1973. Mesmo distantes 28 km um do outro, os dois estabelecimentos mantêm até hoje uma parceria informal.
A João Pinheiro conta também com o patrocínio do banco BBA/Itaú, que há cinco anos fornece parte do material didático e, com isso, possibilita a extensão do método para todo o ensino fundamental.
Apesar de não ser uma prática nova, a polivalência ainda causa muita polêmica. Mestre em educação pela USP (Universidade de São Paulo), Cecília Yoshida Freire estudou as dificuldades que os professores multidisciplinares de 1ª a 4ª séries têm para ensinar ciências. Concluiu que até mesmo os polivalentes do ensino primário não tinham segurança para abordar essa disciplina. "Muitos não se sentiam confortáveis para desenvolver conteúdos de ciências. Eles sabiam que não tinham um olhar crítico sobre o tema, por isso acabavam reféns do livro didático." Se o professor de 1ª a 4ª séries acha penoso apresentar ciência às crianças, o que dizer de um professor de geografia que dá aulas de matemática para uma 6ª série, onde o conteúdo e a complexidade são ainda maiores?


O foco não é ensinar as minúcias da matemática ou das ciências e sim observar o aluno e ensiná-lo a aprender


Diante dessa crítica, a Escola Vera Cruz apresenta uma estrutura montada para que o professor seja preparado para se tornar polivalente. Antes de virar titular, ele exerce a função de auxiliar de classe: acompanha os trabalhos de perto, estuda com os outros professores, mas não dá aulas. Essa estratégia tenta prepará-lo gradualmente para as aulas.
A rede pública, no entanto, não funciona nesse ritmo. Nela, o professor passa por um concurso e, conforme a sua classificação, deve escolher as opções de escola à disposição. No dia da escolha, em fevereiro deste ano, a professora de ciências Elisabete Hulgado escolheu a Escola Municipal João Pinheiro, sem saber que a entidade adotava a polivalência. "Quando soube, nem dormi de tanta preocupação com a responsabilidade de assumir isso", conta Elisabete.
Ela só ficou mais tranqüila quando soube que a escola organiza reuniões semanais com todos os professores polivalentes, para que eles aprendam o que devem ensinar em cada classe. "Estou aqui há poucos meses e já percebi que muitos conteúdos eu nem aprendi na escola."
O foco não é ensinar as minúcias da matemática ou das ciências e sim observar o aluno de perto e ensiná-lo a aprender para que ele chegue às séries mais avançadas maduro e capaz de administrar sua busca autônoma pelo conhecimento.
Outras instituições preferem o contrário: em vez de retardar o sistema com especialistas, o adiantam. É o caso do Colégio Objetivo, que a partir da 3ª série do ensino fundamental já tem um professor para português, história e geografia e outro para matemática e ciências, além dos especialistas em artes, música, educação física, inglês e informática. Na 4ª série, o aluno tem sete professores, na 5ª, nove. "Tudo para facilitar a transição", conta Sônia Bercito, coordenadora de 5ª a 8ª séries do Objetivo.
O Colégio Dante Alighieri também fez uma tentativa similar. Por lá, os especialistas foram introduzidos na 4ª série, mas o sistema foi abandonado há dez anos. "Descobrimos que só antecipávamos o sofrimento dos alunos, transferindo-o para a passagem da 3ª para a 4ª série", diz Vânia Barone Monteiro, coordenadora pedagógica de 2ª a 4ª séries. "Eles não estão maduros, mas é o sistema, eles se adaptam."
Na prática, o que se mostra mais eficiente para o aluno: que a polivalência seja estendida ou que haja muitos especialistas desde cedo? Segundo Nilson José Machado, da Faculdade de Educação da USP, o que importa é que a escola consiga transformar conteúdo em conhecimento aplicável à vida dos alunos. Nesse sentido, a boa escola não é necessariamente aquela que adota um ou outro método, mas aquela que tem professores hábeis o bastante para transitar por vários conteúdos, inclusive no ensino de sua especialidade. Simples assim.


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